(Portuguese) Notas Biográficas dos Países (Sátira)
ORIGINAL LANGUAGES, 20 Jun 2011
Hernán Casciari – TRANSCEND Media Service
Li uma vez que a Argentina não é melhor nem pior que a Espanha; apenas mais jovem. Gostei desta teoria e inventei um truque para descobrir a idade dos países baseando-me no ‘sistema cão’. Desde criança nos explicam que para saber a idade de um cachorro basta multiplicar a sua idade biológica por 7.
No caso de países, temos que dividir a sua idade histórica por 14 para saber a sua correspondência humana. Confuso? Aqui vão alguns exemplos reveladores.
A Argentina nasceu em 1816. Assim sendo, tem 190 anos. Se dividirmos estes anos por 14 veremos que a Argentina tem ‘humanamente’ cerca de 13 anos e meio, ou seja, está na pré-adolescência. É rebelde, não tem memória, responde sem pensar e tem o rosto coberto de acne.
Quase todos os países da América Latina têm a mesma idade, e como acontece nesses casos, eles formam gangues. A gangue do Mercosul é formada por quatro adolescentes – Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai – que têm um conjunto de rock. Ensaiam numa garagem, fazem muito barulho, e jamais gravaram um disco.
A Venezuela, que já tem peitinhos, está querendo unir-se a eles para fazer o coro. Em realidade, como a maioria das mocinhas da sua idade, quer é sexo. Neste caso, com o Brasil.
O México também é adolescente, mas com ascendente indígena. Por isso ri pouco e não fuma simples baseados como o resto dos seus amiguinhos. Mastiga coca e anda com os Estados Unidos, um retardado mental de 17 anos que se diverte atacando meninos famintos e mais fracos, de 6 anos, em outros continentes.
No outro extremo está a China milenária. Se dividirmos os seus 1.200 anos por 14 obteremos uma senhora de 85, conservadora, com cheiro de xixi de gato, que passa o dia comendo arroz porque não tem – ainda – dinheiro para comprar uma dentadura postiça. A China tem um neto de 8 anos, Taiwan, que lhe faz a vida impossível. Está divorciada faz tempo do Japão, um velho chato que se juntou às Filipinas, uma jovem pirada sempre disposta a qualquer aberração a troco de grana.
Depois estão os países já maiores de idade, que saem com o BMW do pai, como a Austrália e o Canadá, que cresceram as custas de papai Inglaterra e mamãe França, tiveram uma educação restrita e antiquada, e agora dão uma de loucos.
A Austrália é uma babaca de pouco mais de 18 anos que faz topless e sexo com a África do Sul.
O Canadá, por outro lado, é um mocinho gay, assumido e emancipado, que a qualquer momento pode adotar o bebe da Groenlândia para formar uma dessas famílias alternativas da hora, que estão na moda.
A França é uma separada de 36 anos, mais prostituta que uma galinha, mas muito respeitada no âmbito profissional. Tem um filho de apenas 6 anos, o Monaco, que vai acabar virando gay ou bailarino… ou ambas as coisas. É a amante esporádica da Alemanha, um caminhoneiro rico casado com a Áustria, que sabe que é chifruda mas não se importa.
A Itália é viúva faz muito tempo. Vive cuidando de São Marino e do Vaticano, dois filhos católicos, gemeos idênticos. Esteve casada em segundas núpcias com a Alemanha (por pouco tempo, pariram a Suíça), mas agora não quer saber mais de homens. A Itália gostaria de ser uma mulher como a Bélgica: advogada, executiva independente, que usa calças e fala de política de igual para igual com os homens (a Bélgica também fantasia de vez em quando que sabe preparar massa. Pura ilusão).
A Espanha é uma das mulheres mais lindas da Europa (possivelmente a França se iguale a ela, mas perde espontaneidade por usar tanto perfume). É muito tetuda e quase sempre está bêbada. Geralmente se deixa enganar pela Inglaterra e depois a denuncia. A Espanha tem filhos por todas as partes do mundo (quase todos com 13 anos de idade), os quais moram longe. Gosta muito deles, mas a perturbam quando têm fome e passam temporadas na sua casa e assaltam sua geladeira.
Outra que tem filhos espalhados pelo mundo todo é a Inglaterra. Costumava andar de navio de noite, transava com alguns babacas, e nove meses depois aparecia uma nova comunidade em alguma parte do mundo. Mas em geral se dão bem, como uma grande familia, e se ajudam mutuamente.
A Escócia e a Irlanda, irmãos da Inglaterra que moram no apartamento ao lado e no de cima, passam a vida bêbados e a arrumar confusão, e nem sequer sabem jogar futebol. São a vergonha da família.
A Suécia e a Noruega são duas lésbicas de quase 40 anos que estão bem de corpo, apesar da idade, mas não ligam para ninguém. Transam e trabalham, pois são formadas em alguma coisa. Às vezes fazem trio com a Holanda (quando necessitam maconha ou haxixe); outras vezes cutucam a Finlândia, que é um cara meio andrógino de 30 anos, que vive só em um apartamento sem mobília e passa o tempo falando pelo celular com a Coreia.
A Coreia (a do sul) vive de olho na sua irmã esquizóide. São gemeas, mas a do Norte tomou líquido amniótico quando saiu do útero e ficou estúpida. Passou a infância usando pistolas e agora que vive só é capaz de qualquer coisa. Os Estados Unidos, o retardadinho de 17 anos, a vigia muito, não por medo, mas porque quer roubar suas pistolas.
Irão e Iraque eram dois primos de 16 anos que roubavam motos e vendiam as peças, até que um dia roubaram uma peça da Harley dos Estados Unidos, o que acabou o negócio para eles. Agora estão comendo grama.
O mundo estava indo bem assim, até que um dia a Rússia se juntou (sem casar) com a Perestroika e tiveram uma dúzia e meia de filhos. Todos esquisitos, alguns mongolóides, outros esquizofrenicos.
Portugal é um cota de 62 anos que não quer saber dos filhos bastardos que teve na África, todos ao redor dos 2 anos de idade. Enquanto perde-se de amores e desejos pela enteada morena, quente, de 14 aninhos, que do outro lado do Atlântico se insinua emergente e tesuda ao som do Samba. Proxeneta por tradição, sendo um dos mais idosos da Europa acha que os outros têm obrigação de sustenta-lo, e para tal aplica estratagemas e chantagem emocional. Se necessário, até canta o Fado.
Às suas custas vivem duas belas filhas solteironas já quarentonas: uma toda virada para a ecologia, com uns olhos azuis lindos como lagoas; e a outra, muito rebelde, ameaça casar-se sempre que a mesada tarda. Ambas com um temperamento assaz vulcânico, prometem ainda dar que falar: a primeira tem sempre a cama feita para um jovem ricaço que a visita amiude de avião; e a segunda, de tão bela, dá-se ao luxo de nem se depilar da sua floresta laurissilva, recentemente eleita para Patrimonio Mundial da Humanidade.
Então eu pergunto: por que continuam a nascer países se os que aí estão não funcionam?
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Hernán Casciari nasceu em Mercedes (Buenos Aires), a 16 de Março de 1971. Escritor e jornalista Argentino. É conhecido por seu trabalho ficcional na Internet, onde tem trabalhado na união entre literatura e blog, destacado na blognovela. Sua obra mais conhecida na rede, ‘Weblog de una mujer gorda‘, foi editada em papel, com o título: ‘Más respeto, que soy tu madre’.
This article originally appeared on Transcend Media Service (TMS) on 20 Jun 2011.
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