(Portuguese) Willy Brandt Vinte Anos Depois
ORIGINAL LANGUAGES, 6 Aug 2012
Johan Galtung, Forum Abel Varzim – TRANSCEND Media Service
Morreu há já vinte anos, o grande estadista alemão. A Alemanha, a Europa e o mundo têm amplos motivos de gratidão e muito a aprender com este mestre da política, em condições de grande tensão e polarização.
O que era a sua “Ostpolitik” – uma nova fórmula de política para com o Leste?
A desescalada, a redução de tensão, são aspectos importantes, mas muito genéricos. Ele conseguiu apresentar ao Oriente, não só à República Democrática Alemã-RDA (Deutsche Demokratische Republik-DDR), mas tambem à Polónia, à Checoslováquia e à União Soviética, uma Alemanha Ocidental amistosa, não saturada de agressividade e rancor; um membro da OTAN, mas com uma face humana. A sua posição em relação às ditaduras, impostas contra a vontade do povo, era clara, contudo conseguiu relacionar-se com os alemães do leste, polacos, checos e russos. Quem visitasse assiduamente esses países poderia usar Brandt como prova que o Ocidente não era assim tão mau e ameaçador, mau grado os mísseis com ogivas nucleares que lhes estavam apontados. O seu predecessor, Kiesinger [1], um velho nazi, na verdade enviava sinais desse tipo ameaçador. E no final, foi Willy Brandt, não Helmut Kohl, quem disse as palavras certas, não o triunfalismo do “nós vencemos”, mas o “agora crescemos junto aos que temos real afinidade “.
Brandt tornou mais fácil à Alemanha Oriental a aceitação do Ocidente, no tempo oportuno, com a aceitação do artigo 23.º da [Constituição] da Alemanha Federal, que considerava o território a Oriente como parte integrante do Ocidente. Ele tornou a Alemanha de Leste razoável ao ser ele próprio razoável. Brandt tornou possível o Kohl [2] de 1989.
Tornou mais fácil ao Leste admitir, pelo menos a si próprio, as suas atrocidades, admitindo o mesmo para a Alemanha Ocidental. O estadista, de joelhos (Kniefall) [3], no memorial da resistência judaica do Gueto de Varsóvia, no final dos anos 1970. Nem uma palavra supérflua – pequenas de mais para a enormidade do genocídio contra os Judeus -, mas um acto de humildade perante o fardo da culpa alemã e profunda solidariedade para com as vítimas. E um sinal, pode-se acrescentar, aos soviéticos, cujas tropas, estando na proximidade, tinham permitido o acontecimento, não vindo em socorro [dos defensores do Gueto].
Muitos foram os alemães expulsos do Leste, os «Heimat-Vetriebenen»,[4] que transferiram para Brandt o e seu ódio pelos autores da limpeza étnica acusando-o de alta traição. Eles confundiram a amizade [de Brandt] para com as pessoas, tomando-a como dirigida aos regimes. Confundiram a sua amizade para com as pessoas, por um “sim” aos regimes. Caindo na armadilha do velho ditado “o amigo do meu inimigo é meu inimigo também”, tão longe da ambiguidade e subtileza das coisas humanas. No entanto, também eles tinham boas razões para estarem agradecidos.
O próprio Brandt tinha vivido uma vida de incerteza. Nasceu em Lübeck, em 1913, como Herbert Ernst Karl Frahm, e cresceu em circunstâncias modestas – o que se reflectiu no seu enorme esforço para melhorar o sistema de segurança social alemão, até aos mais minuciosos detalhes. Aderiu aos Jovens Socialistas e o Partido Socialista dos Trabalhadores, à esquerda do SPD-Sozialdemokratische Partei Deutschlands (Partido Social Democrata da Alemanha ), de que mais tarde se tornou presidente, por 23 anos.
Em 1933 fugiu da perseguição nazi sob o nome falso de Willy Brandt. A Noruega tornouse o seu segundo país, do qual adquiriu a cidadania em 1940 (tinha-lhe sido revogada a cidadania alemã); posteriormente teve que fugir de novo, desta vez para a Suécia, visto que a Alemanha tinha ocupado a Noruega. Falava correctamente norueguês e sueco. Nós noruegueses estávamos um pouco preocupados com o que seu lado sueco, mas ele consolava-nos, dizendo uma vez em Goteborg, que sonhava em norueguês. Carlota Frahm era a melhor amiga de minha irmã, o nome Willy era para nós nome familiar. Havia muitos noruegueses que tinham histórias semelhantes para contar sobre o “nosso Willy”, sempre com carinho e respeito.
Tive o privilégio de encontrá-lo várias vezes, falando em norueguês. Ele com um inconfundível sotaque de Partido de Trabalhadores; o meu, mais burguês. A sua resposta, quando desafiado por um jornal conservador alemão, de que o seu programa não era socialismo puro, ou reine Lehre (teoria doutrinaria): “Os anos que passei na Noruega e na Suécia curaram-me disso.” Directo para a mente, não só para o coração, dos escandinavos.
Foi acusado de ser anti-alemão. Repetidas vezes.
Que alemão era ele ficou claro quando preso, em 1940, em farda Norueguesa, pelas tropas alemãs que invadiram a Noruega, e ali se estabeleceram por 5 anos. Somente os fundamentalistas autoritários, com algo a esconder, podem abraçar ou rejeitar a 100 por cento fenómenos tão complexo como as nações e os estados. Tal como os líderes da DDR (Alemanha de Leste) que acusavam todos os críticos de seu “socialismo realmente existente” de serem anti-socialistas.
Pior do que Berufsverbot [5], a recusa de colocação como professor(a) a quem fosse acusado de comunismo, que vai directo ao cerne da democracia que, entre outros factores, é questionarmo-nos a nós próprios. Pior do que Redeverbot (não falar o indizível), este “anti-alemão” estava próximo de Denkverbot (não pensar o impensável).
Sempre que Willy revelava o seu pensamento havia polémica à sua volta, tanto detestando como admirando, e grande admiração.
Foi agraciado com o Prémio Nobel da Paz em 1971 pelos seus “apertos de mão” pacificadores com o Oriente. Mas na tradição deste prémio Ocidental, foi concedido apenas a ele, e não tambem a Brezhnev, visto que são precisos dois para um aperto de mão. Mas este prémio tem muitas vezes o som de uma só mão batendo palmas.
O seu conceito de paz superou largamente esses acanhados limites: “A globalização de riscos e desafios – guerras, caos, auto-destruição – requer uma ‘política interna mundial’ que se estenda, não só para além de campanários paroquiais, mas também, para muito além de fronteiras nacionais”.
Foi sem dúvida inspirado por outro dos grandes alemães do pós-guerra, Carl Friedrich von Weizsäcker. Tais ideias eram tambem refletidas na sua Stiftung Entwicklung und Frieden-SEF, a Fundação para o Desenvolvimento e a Paz. O Relatório Brandt sobre o desenvolvimento seguia mais os princípios ocidentais tradicionais, de cima para baixo, mas a ideia geral era uma “segurança social” difundida à escala global. Que era o “moto” do grande sueco que certamente conhecia muito bem, Gunnar Myrdal.
“A paz não é tudo, mas sem paz, tudo é nada“, dizia Brandt. Como é verdade!
E Willy Brandt é um monumento duradoiro a esta ideia.
Nota do Autor:
Este texto foi preparado para o Simpósio de 29-30 junho 2012, em Erfurt, na Turíngia, Alemanha, em memória de Willy Brandt. No entanto fui “desconvidado” sob a acusação de “anti-semitismo”. A acusação foi baseada em equívocos no debate sobre a complexa catástrofe Breivik, na Noruega. Não culpo ninguém pela a retirada do convite; fizeram o seu trabalho. Eu entrei em zonas “tabu” com o intuito de entender e explicar [o ocorrido], para evitar que tais horrores se repitam no futuro. Tais “zonas tabu”, no entanto, devem ser censuradas como antidemocráticas, pois privam-nos de lições do passado que nos permitam planear iniciativas construtivas para o futuro. Todos temos a perder: a Alemanha, Israel, e particularmente os Judeus.
Notas do Tradutor:
1: Kurt Georg Kiesinger.
2: Helmut Kohl.
3: Genuflexão de Varsóvia (de Willy Brandt).
4: Alemães expulsos dos territórios entregues à Polónia…
5: Sem profissão
Original em ingles – TRANSCEND Media Service-TMS
Tradução livre da responsabilidade de Forum Abel Varzim, julho 2012. Revisada por Antonio C. S. Rosa, editor, TRANSCEND Media Service-TMS.
This article originally appeared on Transcend Media Service (TMS) on 6 Aug 2012.
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