(PORTUGUESE) MARIE-MONIQUE ROBIN: “O MUNDO SEGUNDO A MONSANTO”
COMMENTARY ARCHIVES, 2 Dec 2008
Com uma eminente presença em mais de 46 países e com lucros impressionantes, a Monsanto converteu-se na empresa líder dos organismos geneticamente modificados (OGM), assim como numa das companhias mais controversas da indústria mundial devido à fabricação de PCB (piraleno), devastadores herbicidas (como o agente laranja usado durante a guerra do Vietname) ou a hormona de crescimento bovino (proibida na Europa).
Desde 1901, data da sua fundação, a empresa de Missouri foi acumulando uma infinidade de processos penais devido à toxicidade de seus produtos, ainda que hoje se apresente como uma empresa de «ciências da vida» reconvertida às virtudes do desenvolvimento sustentável.
Graças à comercialização das sementes transgénicas (mais de 90% do mercado mundial), a Monsanto não só controla uma parte importante da alimentação mundial e a forma como se produz, como pretende estender o seu poder às formas de vida tradicionais de uma parte importante do planeta.
Baseando-se em documentos inéditos, testemunhos de lesados e vítimas, camponeses, conhecidos cientistas e destacados políticos, "O Mundo Segundo a Monsanto" reconstrói a génesis e o desenvolvimento deste gigante industrial, a primeira produtora mundial de sementes, uma empresa que segundo declaram os seus responsáveis «só quer o nosso bem-estar». De seguida, a entrevista concedida a Consuelo Mora para o El Mundo.
Possui uma extensa carreira como jornalista de investigação caracterizada pelo comprometimento. Esta linha de trabalho sempre esteve clara?
Escolhi esta profissão porque com a informação, o público tem conhecimento e pode tomar decisões. Por outro lado, há dois temas que sempre me preocuparam muito, devido à minha origem familiar, já que sou filha de camponeses e venho de uma família cristã muito comprometida com a questão dos direitos humanos. Por isso, trabalhei sobre dois eixos: o da agricultura, biodiversidade e meio ambiente, e os dos direitos humanos. O caso da
Monsanto abrange os dois temas.
Como surge a ideia de fazer este documentário e o livro?
Surgiu casualmente. Fiz três documentários para a cadeia franco-alemã Arte sobre a biodiversidade, ameaçada que está pelas práticas agro-industriais e o seu uso de fertilizantes, pesticidas e plantas de alto rendimento. Então, deparei-me com o tema das patentes. Viajava por todo o mundo e cruzava-me sempre com a Monsanto, que naqueles anos já contava com mais de 600 patentes de plantas. No documentário conto a história de um lavrador americano que foi ao México e conheceu uns feijões amarelos que nunca tinha visto, comprou um pacote de sementes e semeou-as no Colorado. Patenteou-as em Washington, e os camponeses mexicanos, que tinham semeado e cultivado este produto toda a sua vida, deixaram de o poder fazer sem pagar a esse homem.
Mas podem pedir-se direitos sobre formas de cultivo tradicionais?
Até inícios dos anos 80, não se podia patentear organismos vivos, e a lei de 1951 assim o diz. Mas no final dessa década, um engenheiro que trabalhava para a General Electric, manipulou uma bactéria que se supunha que servia para descontaminar terrenos e pediu uma patente ao escritório de Washington, que a negou. Recorreu ao Tribunal Supremo, que a concedeu tendo em conta a famosa frase "tudo o que esteja de baixo do solo e tenha sido tocado pela mão do homem pode ser patenteado". Isso abriu a porta à privatização dos recursos naturais e aos OGM (organismos geneticamente manipulados).
Quais as consequências?
Se se aceita que se patenteiem as sementes transgénicas, as consequências são dramáticas, pois os agricultores não podem conservar uma parte da colheita para a cultivar no ano seguinte. Devem comprar as sementes em cada ano. Isto significa que os transgénicos nas mãos da Monsanto, são um meio para esta se apoderar da semente, que é o primeiro elo da cadeia alimentar. Se és o proprietário das sementes, és o proprietário da alimentação do mundo, e essa é a meta da Monsanto.
Trata-se então de uma neo-colonização?
É mais do que isso, pois faz-se proprietária da vida em todos os seus aspectos, daquilo que as pessoas comem, das medicinas que as curam, e de tudo o que faz com que o homem viva, tornando-se proprietária desta. Há casos conhecidos nos EUA e no Canadá, em que muitos agricultores têm processos com a Monsanto porque os seus campos foram contaminados por transgénicos por polinização, e foram condenados a pagar à multinacional.
Enfrentamos um sistema que prioriza a protecção da propriedade privada em detrimento dos direitos humanos?
A Monsanto está a comprar todas as empresas de sementes do mundo, impõe as transgénicas patenteadas e assim vai colonizando.
O que é que torna os transgénicos tão perigosos?
70% deles estão preparados para absorver Rondup, um poderoso insecticida também criado pela Monsanto, e nunca houve estudos para comprovar quais eram as consequências da pulverização desse insecticida sobre a saúde das plantas. Quando a Monsanto se inicia nos transgénicos, desde logo pretende fazer plantas resistentes ao insecticida, e não à seca ou a outras coisas. A Monsanto sabia que em 2000 perdia a patente, mas como é o pesticida mais vendido do mundo, queria continuar a fazer negócio. Não se trata de fazer um transgénico para vencer a fome no mundo, isso é uma mentira!
Passaram anos a investigar como. Tiveram a ideia de contratar uma agência de comunicação sediada em Inglaterra, com o objectivo de mudar a opinião negativa que, na Europa, se tem dos transgénicos. Trata-se da agência que, trabalhou a imagem do Campeonato do Mundo da Argentina em 78, contratada pela junta militar.
A luta do século XXI vai ser pelos alimentos e pela água?
Sim, pelo controle privado dos alimentos e da água.
Que é que a impressionou mais ao investigar para o seu livro?
As consequências dos cultivos transgénicos em grande escala, como as que vi no Paraguai, onde se pulveriza com meios aéreos, sobre os campos de pequenos camponeses, matando os recursos destes. No documentário aparece um menino com as pernas completamente queimadas pelo pesticida, pelo facto de caminhar nos campos de soja. Os camponeses têm que deixar as suas terras, ir para a cidade e viver do lixo. Este modelo é o da fome organizada.
Dadas as circunstancias, o que poderíamos comer hoje em dia?
Nos próximos anos, tenho previsto fazer, outro documentário e outro livro, sobre a origem meio ambiental da epidemia de cancro e da doença de Parkinson. O primeiro chamar-se-á se "O cancro está no prato". Os vegetais e as frutas têm resíduos de produtos químicos tóxicos cujos efeitos não foram analisados. É evidente que estamos no inicio de una epidemia de cancro, há especialistas que me disseram que já se calcula que um de cada dois europeus vai ter cancro. Há que mudar a maneira de comer, é a única solução.
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Artigo publicado no blogue Socialismo y Democracia
Tradução para português de Luísa Moreira
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