(PORTUGUESE) FORA COM TODOS!

COMMENTARY ARCHIVES, 16 Feb 2009

Naomi Klein

Observando a multidão na Islândia a bater frigideiras e panelas até o governo caír fez-me recordar um refrão popular em círculos anticapitalistas, em 2002: “Vocês são a Enron, nós somos a Argentina!”

A mensagem era bastante simples. Vocês – políticos e presidentes-executivos em alguma cúpula comercial – são como os fraudulentos e temerários executivos da Enron (é claro que não sabemos nem uma fração do que se passou).

Nós – a multidão de excluídos – somos como o povo da Argentina que, em meio a uma crise econômica assustadoramente semelhante à nossa, inundou as ruas batendo panelas e frigideiras. "¡Que se vayan todos!", gritavam eles.

E forçaram uma sucessão de quatro presidentes em menos de três semanas. O que tornou único o levantamento da Argentina de 2001-2003 foi o fato de não ser dirigido contra um partido político especifico ou mesmo à corrupção no abstrato. O objetivo era o modelo econômico dominante – esta foi a primeira revolta nacional contra o desregulamentado capitalismo contemporâneo.

Demorou um bocado, mas da Islândia à Letônia, da Coréia do Sul à Grécia, o resto do mundo está finalmente a ter o seu momento "¡Que se vayan todos!".

As estóicas matriarcas islandesas batendo panelas, enquanto os seus filhos pilham a geladeira em busca de projéteis (ovos, com certeza, mas iogurte?), reflete as táticas que ganharam fama em Buenos Aires. O mesmo se passa com a raiva coletiva contra as elites que arruinaram um país outrora próspero e pensaram que podiam escapar impunes.

Como observou Garden Jonsdottir, um empregado administrativo islandês de 36 anos: "Não agüento mais! Não confio no governo, não confio nos bancos, não confio nos partidos políticos e não confio no FMI. Tínhamos um bom país e eles o arruinaram".

Um outro eco: em Reykjavík, os manifestantes claramente não serão subornados por uma mera mudança de caras no poder (ainda que a nova primeira-ministra seja lésbica). Eles querem ajuda para o povo, não apenas para os bancos; investigações criminais sobre a derrocada e uma profunda reforma eleitoral.

Exigências semelhantes podem ser ouvidas na Letônia destes dias, cuja economia contraiu-se mais drasticamente do que em qualquer outro país da União Européia, e onde o governo cambaleia à beira do precipício. Por semanas a capital tem sido abalada por protestos, incluindo um tumulto com apedrejamentos em 13 de Janeiro.

Tal como na Islândia, os letões estão estarrecidos com a recusa de seus líderes em assumir qualquer responsabilidade pela derrocada. Questionado pela TV Bloomberg acerca do que provocou a crise, o ministro das Finanças da Letônia encolheu os ombros: "Nada de especial."

Mas os problemas da Letônia são realmente especiais: as mesmas políticas que permitiram ao "Tigre do Báltico" crescer a uma taxa de 12% em 2006 estão também provocando uma contração violenta prevista em 10% para este ano: o dinheiro, liberto de todas as barreiras, foge tão rapidamente quanto entra, com grande parte dele sendo desviada para os bolsos de políticos. (Não é por coincidência que os países em sufoco hoje sejam os "milagres" de ontem: Irlanda, Estônia, Islândia e Letônia).

Algo mais "Argentinesco" está no ar. Em 2001, os líderes da Argentina responderam à crise com um brutal pacote de austeridade prescrito pelo FMI: US$ 9 bilhões de redução das despesas governamentais, grande parte das quais atingindo a saúde e a educação. Isto provou ser um erro fatal. Os sindicatos efetuaram uma greve geral, os professores deram aulas nas ruas e os protestos nunca cessaram.

A recusa dos de baixo em suportar o fardo da crise une muitos dos protestos de hoje. Na Letônia, grande parte da raiva popular concentrou-se nas medidas de austeridade do governo – despedimentos em massa, redução dos serviços sociais e cortes nos salários do sector público – tudo isso para ter direito a um empréstimo de emergência do FMI (não, não mudou nada).

Na Grécia, os tumultos de Dezembro verificaram-se depois de a polícia alvejar um jovem de 15 anos. Mas o que tem mantido a revolta em andamento, com os agricultores tomando a vanguarda em relação aos estudantes, é a fúria generalizada com a resposta do governo à crise: os bancos obtiveram um resgate financeiro de US$ 36 bilhões, ao passo que os trabalhadores tiveram as suas pensões cortadas e os agricultores não receberam nada.

Apesar da inconveniência de tratores bloqueando estradas, 78% dos gregos consideram que as reivindicações dos agricultores são razoáveis.

Similarmente, na França, a recente greve geral – desencadeada em parte pelos planos do presidente Sarkozy de reduzir drasticamente o número de professores – contou com o apoio de 70% da população.

Talvez a ligação mais forte a conectar toda esta reação mundial seja uma rejeição da lógica da "política extraordinária" – a expressão cunhada pelo político polaco Leszek Balcerowicz para descrever como, numa crise, os políticos podem ignorar as regras legislativas e apressar "reformas" impopulares.

Esse truque está ficando desgastado, como o governo da Coréia do Sul verificou. Em dezembro, o partido dominante tentou usar a crise como alavanca para forçar um acordo altamente controverso de livre comércio com os Estados Unidos.

Levando a política de portas fechadas a novos extremos, os legisladores trancaram-se na Câmara de modo a poderem votar em privado, barricando a porta com mesas, cadeiras e sofás.

Os políticos da oposição não deixaram por menos. À custa de martelos, marretas e serra elétrica, entraram à força e ocuparam o parlamento por doze dias. A votação foi adiada, permitindo mais debates – uma vitória para uma nova espécie de "política extraordinária".

Aqui no Canadá, a política é nitidamente menos adequada a cenas no YouTube – mas ainda assim tem sido surpreendentemente movimentada. Em Outubro, o Partido Conservador ganhou as eleições nacionais com uma plataforma pouco ambiciosa.

Seis semanas depois, o nosso primeiro-ministro conservador descobriu seu ideólogo íntimo, apresentando um projeto de orçamento que retirava dos trabalhadores do setor público o direito à greve, cancelava o financiamento público para os partidos políticos e não previa qualquer estímulo econômico.

Os partidos de oposição responderam formando uma coligação histórica que foi impedida de assumir as funções em virtude de uma suspensão apressada do Parlamento. Os conservadores acabaram por voltar com um orçamento revisto: as políticas favoritas da direita desapareceram e está embalado com estímulos econômicos.

O padrão é óbvio: governos que respondam a crises criadas pela ideologia de comércio livre, com uma aceleração daquela mesma agenda desacreditada, não sobreviverão para contar a história. Como os estudantes italianos gritando nas ruas: "Não pagaremos pela sua crise!"
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Artigo publicado originalmente em THE NATION

Tradução de Antonio Carlos da Silva Rosa, TMS Editor

 

This article originally appeared on Transcend Media Service (TMS) on 16 Feb 2009.

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