(Portuguese) Uma Reflexão Sobre a Internet e a Democracia no Brasil

ORIGINAL LANGUAGES, 11 Jun 2012

Thomás S. Selistre – TRANSCEND Media Service

Uma democracia real e sustentável no Brasil, assim como em qualquer outra sociedade madura, não será possível sem o papel ativo dos meios de comunicação.  Quando afirmo isso, no entanto, não me refiro àqueles veículos que pertencem a grandes corporações, que sempre terão filtradas as suas pautas através de interesses de anunciantes e da elite. Falo de um jornalismo alternativo, que use a internet como ferramenta para expressar-se e interagir com o mundo.

Jeffrey Ghannam, no estudo publicado março passado para o Center of International Media Assistance, em Washington, analisa a importância da mídia digital no norte da África um ano após a chamada Primavera Árabe, concluindo que “(…) o potencial da internet como ferramenta no processo de democratização é inegável” e “o consequente impacto das redes e plataforma de mídia sociais (…) estão firmemente estabelecidos”.

É sobre este mesmo potencial que Richard Lance Keeble, pesquisador da  Lincoln University, no Reino Unido, refere-se no livro “Peace Journalism, War and Conflict Resolution”, quando defende que “a internet e a blogosfera somente serão interessantes quando sirvam para desafiar o sistema como elementos cruciais em movimentos sociais e políticos”.

No Brasil, embora 78 milhões de cidadão maiores de 16 anos, de acordo com Ibope/Nielsen (2011), têm acesso à internet, seguimos um país com significantes problemas sociais em todos os níveis da sociedade, como a corrupção, a falta de respeito às minorias étnicas e ao meio ambiente, a marginalização social e uma forte presença do patriarcado. Por isso, eu me pergunto, como brasileiro, o que faltaria para dar origem a uma “primavera árabe” também no país – um movimento genuinamente social, nascido nas bases da cidadania.

As experiências que os brasileiros estão vivendo pela primeira vez na sua história em razão do desenvolvimento econômico (cada vez mais visível nas ruas com o aumento da classe média) nos levam a refletir sobre o desenvolvimento de seu pensamento crítico. Para me explicar, aplico a teoria de Abraham Maslow relacionada com a hierarquia das necessidades humanas e sinto que, se seguimos focando esforços na erradicação da pobreza e em políticas sociais, as necessidades individuais cedo ou tarde serão substituídas por outras, coletivas.

Este é o momento de arriscar-nos, como acadêmicos e jornalistas, a analisar como poderíamos avançar em um desenvolvimento moral e ético, não somente problematizando aquelas necessidades relacionadas como o fortalecimento do crescimento econômico, mas também aquelas que tornariam possível uma forte coesão social.

Este seria o momento em que questionamos a sociedade em que vivemos e seus valores, repensando problemas universais como desigualdades estruturais e o significado de usar a criatividade na resolução de conflitos. Podemos estar vivendo o momento apropriado para dar o primeiro passo e começar um avanço social, uma massa crítica, fazendo agora uso da teoria da massa crítica de John Paul Lederach, algo endêmico que teria raiz e se multiplicaria pelo país. Um processo de apoderamento que, contudo, só seria totalmente viável com o apoio da sociedade.

Pensamento Crítico

Analisando possíveis contrapontos à possibilidade de uma futura coesão social em torno aos novos meios de comunicação, um importante seria a falta de pensamento crítico da sociedade brasileira. O apoderamento dessa para que passasse a ser socialmente ativa só seria possível se, de alguma maneira, desenvolvêramos esse pensamento. Como? Focando a educação no ato de ler. Os jovens de um país democrático e desenvolvido devem ser capazes de saber revelar os truques e segredos de um texto e destapar as suas ambiguidades. Necessitamos preparar cidadãos para que percebam a importância da informação e entendam como a mídia tradicional se comporta, contrastando fontes e lendo entrelinhas. Desta maneira, evitaríamos criar novas vítimas da alienação e da sensação de impotência causadas pela mídia corporativa e a propaganda política.

Os estudantes universitários poderiam, por exemplo, desempenhar um papel de liderança em uma campanha pela educação centrada no desenvolvimento deste pensamento crítico, defendendo a democracia e mostrando a sociedade que ela tem o mundo a suas mãos. As pessoas deveriam saber que podem achar também informação de qualidade na internet, em blogs, fóruns ou jornais alternativos, e elas podem usar essa informação para contrastar com aquelas publicadas nos meios.

A internet, além do mais, fortalece a sociedade. É através de computadores que alguém no sul do Brasil pode intercambiar experiências sobre comércio justo e agricultura familiar com uma ONG na Espanha, ou um estudante no Estado de Mato Grosso com um nível básico de inglês pode debater sobre movimentos sociais com um ativista social grego. Seria ingênuo dizer que essa conclusão é nova, entretanto ainda é necessário universalizar essa ideia.

Seria necessário convencer as pessoas que estas fazem parte da era digital. Uma era em que os cidadãos se comprometem em ser fiscais da elite econômica e política de sua cidade. Onde cada um pode ser jornalista e educador, comprometido com a justiça social e a não-violência. Capazes de criar redes e demonstrar juntos o seu ponto de vista. E somente críticos e bem informados os brasileiros poderão lutar contra a incerteza para construir uma democracia real e sólida.

______________________

Thomás S. Selistre é jornalista, bloguista, documentarista e se especializa em estudos de paz.

This article originally appeared on Transcend Media Service (TMS) on 11 Jun 2012.

Anticopyright: Editorials and articles originated on TMS may be freely reprinted, disseminated, translated and used as background material, provided an acknowledgement and link to the source, TMS: (Portuguese) Uma Reflexão Sobre a Internet e a Democracia no Brasil, is included. Thank you.

If you enjoyed this article, please donate to TMS to join the growing list of TMS Supporters.

Share this article:

Creative Commons License
This work is licensed under a CC BY-NC 4.0 License.

Comments are closed.