(Português) O Que Fazer com o Seu Dinheiro: O Discurso de Autoajuda em Manchetes de Capa de Jornais
BRICS, LATIN AMERICA AND THE CARIBBEAN, ECONOMICS, ORIGINAL LANGUAGES, 20 May 2013
Leusa Santos – TRANSCEND Media Service
Dissertação de Mestrado em Letras
A autora é jornalista e editora executiva do jornal Folha de Pernambuco [Brasil]. Tem como objeto de pesquisa manchetes jornalísticas. Possui graduação em Jornalismo pela Universidade Católica de Pernambuco e especialização em Práticas Discursivas pela Faculdade Frassinetti do Recife (Fafire). Atualmente participa do desenvolvimento do projeto de reforma gráfica e editorial do jornal Folha de Pernambuco.
Apresentação
Este trabalho tem o objetivo de investigar a presença do discurso de autoajuda nas manchetes de capa de jornais que tratam sobre finanças pessoais. Vivemos em um mundo no qual o consumismo é tema em vários tipos de mídia. E não só o consumismo material, mas também o imaterial. Ter uma vida financeira saudável ou ter uma vida mais longa e com saúde, ou ainda reter a vivacidade da juventude por mais tempo são assuntos que assistimos com regularidade serem veiculados na mídia.
E essa divulgação se faz através de promessas, de dicas, de aconselhamentos do tão comum “como fazer”. Por conta dessa percepção, decidimos, à luz da Análise Crítica do Discurso, analisar os enunciados jornalísticos principais da capa, incluindo como complemento suas respectivas reportagens, que tratam sobre um desses assuntos: a orientação financeira.
Pretendemos demonstrar as relações interdiscursivas entre os enunciados sobre finanças pessoais e as manchetes de capa de jornais. Identificamos nas manchetes marcas que dão pistas de um discurso de orientação ao leitor e de suposição de que este precisa de aconselhamento. Para isso, comparamos os enunciados jornalísticos com enunciados de livros de autoajuda e, por fim, entendemos o direcionamento ideológico e discursivo que permeia essas manchetes. Partimos de três hipóteses que foram confirmadas:
Hipótese 1 – As manchetes de capas de jornais referentes a finanças pessoais colocam o leitor como responsável pelo seu sucesso ou fracasso financeiro e ao mesmo tempo também o constrói como um dependente de orientação.
Hipótese 2 – Nessas manchetes há a presença de um discurso de autoajuda, que diz ao leitor a forma como ele deve gerir o próprio dinheiro.
Hipótese 3 – Essa orientação ao leitor sobre a gestão do dinheiro mostra-se linguisticamente através de enunciados positivos, mas subliminarmente carregam um teor impositivo.
Foram examinadas as manchetes de capa dos três jornais de grande circulação em Pernambuco, no período entre janeiro de 2011 a janeiro de 2012. Identificamos um total de 23 manchetes voltadas para finanças pessoais, que compõem o nosso corpus, sendo 12 do Diario de Pernambuco, 5 do Jornal do Commercio e 6 da Folha de Pernambuco.
A escolha do período de janeiro a janeiro deveu-se ao fato de que a mídia em geral possui, além das notícias do cotidiano, uma agenda de pautas fixas, como festas de fim de ano, carnaval, pagamento de impostos, décimo terceiro, restituição de imposto de renda etc. Por conta disso, escolhemos um intervalo entre um mês de um ano e o mesmo mês do outro ano para, assim, englobarmos todos os eventos fixos e o noticiário comum em um período noticioso simétrico.
Também escolhemos dois livros de autores brasileiros, escritos em língua portuguesa, classificados como de autoajuda. As obras são: O sucesso não ocorre por acaso e Casais inteligentes enriquecem juntos, de Lair Ribeiro e Gustavo Cerbasi, respectivamente. Esses autores foram mencionados no capítulo sobre o discurso de autoajuda[i]. Julgamos essas obras pertinentes para a comparação com os enunciados jornalísticos porque se tratam de autores representativos no universo da autoajuda, cujos textos configuram-se como um parâmetro para o gênero.
Análise
Primeira etapa: conselhos e orientações
Uma das principais características das narrativas de autoajuda é o aconselhamento, ou seja, o ato de dar ou pedir conselhos. Sobre esse aspecto, partilhamos do raciocínio de Fairclough (2001) sobre o fato de o aconselhamento ser um colonizador de muitas ordens institucionais de discurso. A nosso ver, a autoajuda e a mídia também são afetadas por essa colonização.
A maneira de orientar e até de julgar o leitor – endividado ou não – remete a enunciados marcados por expressões como “dicas para…”, “como + verbo no infinitivo”, “Saiba como…”, entre outros tipos de modalização orientadora. Sobre o aconselhamento, consideramos o senso comum partilhado de que se trata do ato de aconselhar, que também é uma forma de manifestação de poder por parte do agente da ação de aconselhamento.
Examinando a definição no Houaiss encontramos ainda a descrição de que o aconselhamento trata-se do ato ou efeito de pedir ou dar conselhos, orientação e recomendação[ii]. E o substantivo conselho, no mesmo dicionário, remete a “opinião, ensino ou aviso ao que cabe fazer” [iii]. Portanto, o aconselhamento pode ser tanto o ato de dar um conselho ou dar um aviso, depende do contexto em que o enunciado acontece.
De uma forma geral, percebemos tanto nas manchetes quanto nos trechos dos livros de autoajuda orações tácitas e assertivas, que também remetem a aconselhamento e orientação. Vejamos essas amostras:
Manchetes de capa:
Prepare o bolso
(Diario de Pernambuco, 17.02.2011)
Família inteira deve planejar gastos da casa
(Jornal do Commercio, 01.01.2012)
Gastos. Use o cartão sem dívidas
(Folha de Pernambuco, 23.10.2011)
Trechos de autoajuda:
Melhore sua autoestima. Semelhante atrai semelhante
(RIBEIRO, 1999, p. 65)
Pensem da seguinte forma: se hoje vocês recebem de herança uma casa avaliada em R$ 100.000,00, qual é a melhor escolha: vende-la ou alugá-la a terceiros?
(CERBASI, 2004, p. 52)
Os enunciados acima apresentam em comum a disponibilização de conselhos e orientações para o alcance de uma vida melhor. Nas manchetes de capa, identificamos a presença de verbos no imperativo afirmativo: ‘prepare’, ‘deve’, ‘use’, tornando os enunciados assertivos e voltados para um direcionamento do destinatário. Essa assertividade é, como diz Fairclough (2001), uma forma de modalização. Há uma preferência no discurso da mídia por modalizações categóricas, determinantes, afirmativas. No entanto, para não se tornarem impositivas, são atenuadas por promessas de sucesso.
Na primeira manchete – “Prepare o bolso” -, a modalização é impositiva por conta do verbo no imperativo, mas sua força se transforma em conselho quando a segunda parte do enunciado remete a algo com o qual muita gente se preocupa: o bolso. Sendo assim, “o bolso” funciona como uma espécie de atenuante do enunciado, conferindo ao mesmo uma promessa e um caminho para resolver ou evitar um problema financeiro.
Na segunda manchete – “Família inteira deve planejar os gastos da casa” -, esse atenuante está no substantivo ‘família’, que traz em si uma carga positiva de união, de tranquilidade que precisa ser conquistada com todos ajudando, culminando na organização financeira. E esse controle é o objetivo prometido pelo enunciado.
Em “Gastos. Use o cartão sem dívidas” há, no substantivo ‘gastos’, uma modalização de alerta, de cuidado quanto ao controle do consumo. A assertividade do enunciado demonstra que este é direcionado a um destinatário que precisa de orientação para não estourar o limite do cartão mas, ao mesmo tempo, coloca-o como uma pessoa capaz de gerir o próprio dinheiro com alguns conhecimentos que a matéria se propõe a transmitir.
Nos trechos de autoajuda, também percebemos essa modalização categórica e assertiva sob o aspecto de um aconselhamento determinante para ser bem sucedido. Vejamos o trecho de Ribeiro (1999):
Melhore sua autoestima. Semelhante atrai semelhante
(RIBEIRO, 1999, p. 65)
Esse conselho é apresentado sob a condução de um verbo no imperativo, cuja modalização também caracteriza a orientação, o aconselhamento. Baseados em Koch (2007) podemos dizer que se trata de uma modalização facultativa/obrigatória, já que o destinatário tem a opção de não seguir os conselhos.
Em “Pensem da seguinte forma: se hoje vocês recebem de herança uma casa avaliada em R$ 100.000,00, qual é a melhor escolha: vendê-la ou alugá-la a terceiros?” O verbo pensar no imperativo coloca o autor como um orientador que vai revelar o que deve ser feito numa situação como esta. O modo imperativo do verbo também suscita ainda que o leitor pense no que fazer e considere o que o autor vai sugerir.
Tanto nos trechos das manchetes quanto nos de autoajuda do corpus examinado identificamos uma modalização veladamente impositiva com o objetivo de orientar. Há também, no contexto em que se apresentam, a construção dominante de um destinatário que precisa de aconselhamento e possui certo descontrole nas finanças pessoais ou não sabe gerenciá-las corretamente. E, por conta desse julgamento, os enunciados apresentam-se como salvadores, como indicadores de atitudes que devem ser tomadas em relação ao dinheiro.
Examinemos agora este outro enunciado:
Mulheres no vermelho
(Diario de Pernambuco, 03.01.2011)
Podemos perceber, no enunciado acima, a presença do verbo ‘estar’ implícita no enunciado, que é visualizado no nosso exame como “Mulheres (estão) no vermelho”. O verbo ‘estar’ na terceira pessoa singular do presente do afirmativo indica uma situação de categorização tácita e assertiva, julgando que as mulheres estão endividadas. Também constitui, portanto, o objeto da reportagem como um leitor endividado e que precisa de orientação.
A nosso ver, essa construção das mulheres como endividadas está ancorada no senso comum naturalizado de que pessoas do sexo feminino gastam demais. Recorrendo a Fairclough (1989), lembramos que uma ideia cristalizada é uma forma de dominação ideológica porque possibilita a manutenção das desigualdades, mas esta dominação também é passível de questionamento. O (pre) conceito de que as mulheres gostam de gastar enquadra-se nesse raciocínio.
Sendo construídas como endividadas, as mulheres também são categorizadas como indivíduos que não sabem gerir o dinheiro e necessitam de ajuda para tal, ideia que permeia os livros de autoajuda. Tanto nos enunciados de autoajuda quanto nas manchetes jornalísticas percebemos uma orientação que julga e um julgamento que visa ajudar, colocando o leitor como responsável pelo seu sucesso ou fracasso, já que ele “pode” agir e, assim, contrair dívidas, solucioná-las ou evitá-las. Essa construção ideológica de que mulheres gastam demais também foi identificada no livro de Cerbasi (2004). Destacamos esse trecho:
Estabelecer objetivos de longo prazo passa a ser um problema, porque quem não participa das finanças não percebe as metas serem atingidas gradativamente. Irá notar apenas o sacrifício no momento do desembolso, como ocorreu com Sandra:
Denis e Sandra conviviam havia meses com recursos restritos. A cada compra no supermercado, Dênis pedia à esposa que controlasse os gastos, pois o orçamento estava apertado. Dizia que a inflação estava engolindo o salário. Tamanhas foram as restrições que Sandra ficou meses sem conseguir comprar uma peça de roupa. […]. (CERBASI, 2004, p. 31)
A mulher, no caso Sandra, é construída como alguém que não sabe controlar o orçamento simplesmente porque não se interessa no assunto: “Estabelecer objetivos de longo prazo passa a ser um problema, porque quem não participa das finanças não percebe as metas serem atingidas gradativamente. Irá notar apenas o sacrifício no momento do desembolso, como ocorreu com Sandra:[…]”. Ou seja, Sandra é tomada como um exemplo de quem não estabelece objetivos para alcançar metas financeiras.
Além disso, Sandra também é constituída ideologicamente como integrante do grupo das mulheres que gastam demais: “A cada compra no supermercado, Dênis pedia à esposa que controlasse os gastos […]”. E Sandra, ainda por cima, gasta com o que é julgado pelo enunciador como frivolidades: “Tamanhas foram as restrições que Sandra ficou meses sem conseguir comprar uma peça de roupa.”.
Essa percepção de que roupa seria uma frivolidade ocorreu a partir da confrontação entre um termo anterior que as pessoas têm que comprar obrigatoriamente: os produtos de supermercado. Desse modo, fazer supermercado está se contrapondo a comprar roupas. E esta é supérflua em relação àquele, de acordo com a construção ideológica dos enunciados apresentados.
Segunda etapa: a intertextualidade
A prática discursiva focaliza os processos de produção, distribuição e consumo do texto através, respectivamente, da intertextualidade das cadeias intertextuais e da coerência. Nesta etapa, vamos analisar o corpus sob a ótica da intertextualidade. Observamos, primeiramente, que há uma maneira regular notada nas amostras, sempre com afirmações de incentivo, visando, através da persuasão, fazer com que haja uma adesão do leitor ao que está proposto na reportagem.
A intertextualidade é a presença, explícita ou implícita, de elementos de outros textos em um texto. Adotamos, como exposto no capítulo A Análise Crítica do Discurso (ACD), a intertextualidade para ambas as suas formas: manifesta e oculta. A intertextualidade pode ocorrer através da citação de um texto em outro texto de forma explícita, ou seja, com as mesmas palavras da fonte, e também de maneira indireta, que é quando o autor do texto coloca com suas palavras o que a fonte disse.
Esse tipo de intertextualidade é muito comum no discurso jornalístico, onde encontramos uma infinidade de reportagens com citação entre aspas, nas quais são utilizadas as palavras do entrevistado, e também citações de forma indireta, que é quando o jornalista elabora, com suas palavras, o pensamento do entrevistado. Ocorre, nesta forma específica de intertextualidade, a paráfrase, recurso metadiscursivo que, como diz Fairclough (2001), confere ao produtor do texto uma posição de controle sobre o que está sendo dito, alertando que essa posição também é ilusória, porque o produtor também está constituído pelo discurso ao qual adere.
Há também, dentro da intertextualidade, a manifestação em um texto de textos de ordens discursivas diversas. No caso do discurso jornalístico, a ele estão inter-relacionados outros, como reflete Charaudeau (2006), a exemplo dos discursos publicitário, didático e científico. Nossa proposta é demonstrar que o discurso de autoajuda também se manifesta intertextualmente no discurso jornalístico.
Para isso, vamos comparar uma manchete de capa de cada jornal, já exposta na primeira etapa – com trechos de suas respectivas reportagens -, a textos dos livros de autoajuda de Cerbasi (2004) e Ribeiro (1999). Identificaremos, nessa comparação, a interrelação dos discursos jornalístico e de autoajuda. Utilizaremos, para este fim, a intertextualidade, elemento central da prática discursiva, e os paradigmas do discurso de autoajuda colocados por Rüdiger (1996), que são os relatos místico, ascético e egoísta. Entendemos a manifestação desses paradigmas da autoajuda nos textos jornalísticos como uma forma de intertextualidade e por isso vamos esmiuçar a análise dos textos nesta etapa do estudo.
Aposentadoria. Prepare-se para o futuro
(DP, 09.06.2011)
Como todo título jornalístico, esta manchete cria uma expectativa no leitor. A aposentadoria é inevitável e, assim sendo, precisamos, conforme o enunciado, preparar-nos para quando chegar o momento de parar de trabalhar ou reduzir o ritmo cotidiano. Com esta manchete, o jornal coloca-se como a ponte entre o problema – a insegurança financeira na aposentadoria – e a solução – um envelhecimento sem redução drástica de recursos.
E posicionando-se dessa forma, adere ao relato egoísta, cuja meta é ser essencial ao outro e influenciá-lo a ponto de que este outro – no caso o leitor – perceba-o como um veículo que divulga não só conteúdos noticiosos, mas que se preocupa com temas que afetam as pessoas.
Identificamos também a presença dos três paradigmas do discurso de autoajuda no sutiã da manchete de capa e em vários trechos da reportagem a qual a mesma refere-se:
Sutiã da manchete de capa:
Os brasileiros estão despreparados financeiramente para a aposentadoria. É o que revela um estudo realizado com 17 mil pessoas de 17 países, sendo 1.027 no país. O mais preocupante é que 25% sequer sabem qual será a sua principal fonte de renda e 10% presumem que o rendimento do trabalho vai sustenta-lo na velhice. O que fazer para mudar a cultura e o brasileiro alcançar a sua aposentadoria?
Observemos que no trecho acima há, logo no primeiro período, um julgamento: “Os brasileiros estão despreparados financeiramente para a aposentadoria.” Esse julgamento através de uma afirmação fatalista e assertiva torna o enunciado importante, que merece atenção de quem o lê, o que nos remete ao relato egoísta, que objetiva a adesão do outro ao seu discurso através da estima. Similar a este, encontramos o seguinte trecho em Cerbasi (2004):
Mas, se manter um plano de independência financeira não é algo tão complexo, por que grande parte das pessoas falha ao tentar pôr em prática essas regras?(p. 33)
O texto coloca o indivíduo como uma pessoa que não consegue desenvolver um plano de independência financeira. No entanto, para fazer com que essa ideia não seja digerida dessa forma, o autor atenua a oração trazendo um elemento positivo logo na primeira parte – “manter um plano de independência financeira não é algo tão complexo” – antecedido pela conjunção “mas”, que cria a expectativa de que vem a seguir uma resposta a este questionamento, mas de caráter ocultamente negativo: “por que grande parte das pessoas falha ao tentar pôr em prática essas regras?”.
O verbo “falhar”, no presente do afirmativo, confere assertividade ao enunciado, determinando que as pessoas, na sua maioria, não acertam ao planejar um futuro mais tranquilo financeiramente, no entanto, se continuarem a leitura do livro, provavelmente vão saber o motivo dos seus erros e poder consertá-los. É o que promete a obra. Isso traduz a preocupação do enunciador em ser estimado pelo seu leitor, o que nos permite relacionar o texto ao relato egoísta.
No texto da reportagem, identificamos em vários momentos a presença dos paradigmas da autoajuda e também algumas construções oracionais que se assemelham a paráfrases de textos em Cerbasi (2004). Na reportagem, a oração “O que fazer para mudar a cultura e o brasileiro planejar a sua aposentadoria?” guarda uma relação de paráfrase com Cerbasi (2004, p. 33) em “por que grande parte das pessoas falha ao tentar pôr em prática essas regras?”. As duas orações trazem uma promessa de resposta, de revelação sobre algo que se tenha de fazer para conseguir ter tranquilidade financeira.
A partir do intertítulo[iv] da reportagem, identificamos também relatos místico e ascético, cujos enunciados também mantêm uma espécie de paráfrase com textos de Cerbasi (2004). Vejamos:
Trecho da reportagem da manchete:
Por isso é importante estabelecer objetivos de curto, médio prazo e longo prazo, compreender a atual situação financeira e ter um plano financeiro para atingir as suas metas.
Trecho em Cerbasi (2004):
Vocês podem, hoje, escolher pelo menos não ter dificuldades financeiras, que muitas vezes desencadeiam ouros tipos de problema. (p. 69)
O relato ascético, aquele cuja narrativa pressupõe que o indivíduo precisa pensar e agir positivamente para obter o sucesso, está presente tanto na reportagem quanto no texto de Cerbasi (2004). Neste, “escolher pelo menos não ter dificuldades financeiras” implica em um esforço próprio, o que também ocorre em “[…] ter um plano financeiro para atingir as suas metas”, no texto da reportagem.
De acordo com o relato místico, podemos dizer que o indivíduo é a origem dos seus problemas e também das soluções tanto para “atingir as suas metas” para a aposentadoria (segundo a reportagem) quanto “para escolher não ter dificuldades financeiras” (CERBASI, 2004).
Como comprar sua casa em tempos de preço alto
(JC, 06.02.2011)
A manchete da capa adere ao relato egoísta da autoajuda porque é colocada como um manual de instruções, uma tábua de salvação para quem ainda não tem um teto próprio. A composição como + verbo no infinitivo é uma estrutura que possibilita o caráter instrucional do enunciado, muito comum nos textos de autoajuda, como nos dois exemplos abaixo, o que faz com que seja uma relação intertextual entre o discurso jornalístico e o de autoajuda.
Como lidar com a mesada
(CERBASI, 2004, p 96)
Como resistir à tentação de gastar
(CERBASI, 2004, p. 132)
Na estrutura sintática do texto da reportagem, também observamos uma similaridade com textos de autoajuda através da colocação de argumentos via orações subordinadas adverbiais condicionais, destacadas em negrito. Essas orações, que indicam uma condição para a realização do que está proposto na oração principal, expressam a polaridade de conteúdos positivos e negativos, assim como ocorre nos textos de autoajuda. Vejamos:
Trecho de reportagem da manchete
Se você encontrou um imóvel que lhe agrade e tem condições de fazer um bom negócio hoje, faça. Se preferir juntar dinheiro para esperar os preços baixarem, vai fazer um péssimo negócio, segundo construtoras e imobiliárias.
(JC, 06.02.2011)
Em “Se você encontrou um imóvel que lhe agrade e tem condições de fazer um bom negócio hoje, faça” temos como oração principal de conteúdo positivo o sintagma “faça”, remetendo à ação de compra do imóvel. E a oração “Se você encontrou um imóvel que lhe agrade e tem condições de fazer um bom negócio hoje”, introduzida pela conjunção ‘se’, é adverbial condicional e carrega também um conteúdo positivo: encontra um imóvel compatível com as condições financeiras.
Já as orações subsequentes completam o efeito de sentido do texto, que é de alertar para a execução da ação – no caso a compra do imóvel -, apontando para o risco de a orientação não ser seguida. Em “Se preferir juntar dinheiro para esperar os preços baixarem, vai fazer um péssimo negócio, segundo construtoras e imobiliárias” temos como oração subordinada adverbial condicional um termo que aparentemente seria positivo – “Se preferir juntar dinheiro […]”, mas no qual logo aparece o seu sentido negativo com o que está expresso de forma assertiva na oração principal: “[…] vai fazer um péssimo negócio.”
Ao compararmos a reportagem com trechos de autoajuda, fica evidente a similaridade linguística e discursiva entre ambos através também desses tipos de orações. Vejamos alguns exemplos em Ribeiro (1999):
Se você não tiver outras metas na vida além do dinheiro, acaba escravizado pela obsessão de ganhá-lo. (p.107)
Se você mudar, o mundo muda com você. (p. 55)
Em ambos os excertos em Ribeiro (1999), também constatamos a presença de orações subordinadas adverbiais condicionais, destacadas em negrito. Assim como no trecho selecionado da reportagem, essas orações visam alertar o indivíduo e orientá-lo no sentido de incentivá-lo a realizar algo do qual obtenha sucesso. Sempre mostrando o lado positivo – como ter outras metas de vida ou mudar interiormente, conforme sugerido respectivamente nos dois excertos – e o aspecto negativo: tornar-se escravo do dinheiro – no primeiro eunciado – e estagnar por falta de mudança – sentido oculto do segundo enunciado.
Outra similaridade com o discurso de autoajuda é a utilização de exemplos de sucesso, como forma de levar o indivíduo a pensar que se alguém – que estaria em igual ou pior situação do que ele – conseguiu algo, ele também conseguirá.
Ou também que se alguém era desacreditado e venceu, também poderá vencer. Essa estratégia narrativa faz parte da característica de incentivo presente no discurso de autoajuda, que no material jornalístico aparece como exemplos de pessoas que enfrentaram dificuldades, mas, geralmente, as histórias têm finais felizes. Vejamos esses dois trechos selecionados na reportagem, em Ribeiro (1999) e em Cerbasi (2004) para a comparação:
Trecho da reportagem:
O funcionário público Jorge Chaves quer comprar um novo apartamento, mas não consegue encontrar uma oferta que caiba no bolso. […] A renda de Jorge Chaves e de sua esposa, Júlia Vilela, que também é funcionária pública, aumentou nos últimos dois anos. Mas não o bastante que garantisse um poder de comprar compatível. O casal juntou dinheiro para dar uma entrada maior, mas terá que fazer um financiamento bancário. Hoje eles já moram em um imóvel próprio na Rua dos Navegantes.
(Como comprar sua casa em tempos de preço alto. Jornal do Commercio, 06.02.2011)
Trecho em Ribeiro (1999):
Thomas Edison, inventor da lâmpada incandescente e da vitrola, entre outras coisas, estudou durante três meses e sua professora mandou-o embora, dizendo que ele era oligofrênico, que não tinha inteligência para os estudos. Ele parou de estudar. Mas hoje quase tudo o que nós fazemos depende direta ou indiretamente da descoberta de Thomas Edison. (p. 23)
Trecho em Cerbasi (2004):
O estabelecimento de compromissos por escrito ajuda a evitar as compras por impulso. A partir de seu casamento, Márcia e Mílton começaram a poupar cerca de 25% de sua renda com o objetivo de conquistar a independência financeira. […] Em duas oportunidades eles quase caíram na tentação de desistir de seu objetivo. Eles não conseguiriam poupar 25% da renda, mas apenas 16% […] Refazendo os cálculos, o casal notou que precisaria ser um pouco mais seletivo em seus investimentos, pois seria necessário obter rendimentos médios de 0,7% ao mês líquidos para alcançar o objetivo. […] Aplicaram tão bem seu conhecimento que recentemente, ao completar 42 anos, Mílton fazia comentários sobre o bem-estar de terem acumulado R$ 750.000,00.
Em todos os trechos em negrito, há a sinalização de que vai ser contada uma história de sucesso para asseverar o que vem sendo dito anteriormente. Na reportagem, há a preocupação em mostrar casos de pessoas comuns que passaram por problemas financeiros. Em Ribeiro (1999), Thomas Edison, uma figura histórica da ciência, é referenciado no estágio em que ainda era uma pessoa considerada ‘comum’, ou seja, um garoto, que ainda frequentava a escola. E em Cerbasi (2004) é citado um exemplo de um casal que se assemelha bastante ao casal trazido na reportagem: que tinham dificuldades, mas ascenderam financeiramente.
Nos trechos com sublinhado simples é colocado o lado negativo, as dificuldades que os indivíduos passaram, como forma de mostrar que todos enfrentam problemas na vida. Na reportagem, é mostrado que o casal encontrou dificuldades em achar um imóvel pelo qual tivesse condições de pagar. Dificuldade também teve o casal exemplificado em Cerbasi (2004), que não conseguia poupar o necessário para alcançar o objetivo que tinham em comum: a independência financeira. E Thomas Edison, referenciado por Ribeiro (1999), enfrentou o rótulo de oligofrênico, uma deficiência que atinge o comportamento intelectual.
Nos trechos em sublinhado tracejado aparece o sucesso que as pessoas alcançaram ao transpor seus limites e dificuldades. O casal da reportagem conseguiu o imóvel próprio; Thomas Edison consagrou-se inventor da lâmpada, do fonógrafo, do projetor de cinema, além de ter aperfeiçoado o telefone[v]; e Márcia e Mílton, conforme Cerbasi (2004) conclui, acumulou uma grande reserva financeira. Todos tiveram um final feliz e suas histórias foram transformadas em exemplos e promessas de sucesso.
A partir das identificações feitas, propomos uma tipologia do discurso de autoajuda. Essa tipologia também pode ser aplicada nos enunciados jornalísticos sobre finanças pessoais:
AÇÃO DISCURSIVA 1: exemplo de dificuldade
AÇÃO DISCURSIVA 2: orientação
AÇÃO DISCURSIVA 3: força de vontade
AÇÃO RESULTANTE: superação
No caso da reportagem anunciada pela manchete, a superação é alcançada a partir da adesão do indivíduo às orientações que são dadas ao longo do texto. O exemplo abaixo é o lead, parágrafo de abertura da reportagem. Nele, identificamos uma promessa de sucesso e uma adesão do jornalista ao discurso do especialista e também ao do leitor em potencial. Vejamos:
À primeira vista, parece impossível. Quem está juntando dinheiro para comprar o primeiro imóvel ou trocar o que já tem por um maior acha difícil de acreditar. Mas, segundo construtoras e imobiliárias, é bom preparar o bolso, pois os apartamentos no Grande Recife, sobretudo na capital, ainda vão ficar mais caros. Em 2010, a valorização já atingiu percentuais que em média ficaram em torno de 35%. É claro que em casos especiais, o aumento foi bem maior. Para 2011, a projeção mínima de aumento é de 10%. Mas alguns imóveis que já estão caros podem aumentar bem mais. A notícia é encarada com um certo ceticismo. A primeira pergunta que vem à mente do consumidor comum é: onde as construtoras vão arranjar tanta gente com dinheiro para comprar tanto apartamento? Mas, infelizmente, todos os astros se alinharam para garantir a carestia imobiliária. Então, se você encontrou um imóvel que lhe agrade e tem condições de fazer um bom negócio hoje, faça. Se preferir juntar dinheiro para esperar os preços baixarem, vai fazer um péssimo negócio, segundo construtoras e imobiliárias.
(Como comprar sua casa em tempos de preço alto. Jornal do Commercio, 06.02.2011)
Nos excertos destacados em sublinhado simples, há a adesão do jornalista ao discurso do leitor:
Quem está juntando dinheiro para comprar o primeiro imóvel ou trocar o que já tem por um maior acha difícil de acreditar.
A notícia é encarada com um certo ceticismo. A primeira pergunta que vem à mente do consumidor comum é: onde as construtoras vão arranjar tanta gente com dinheiro para comprar tanto apartamento?
Essa adesão traz o leitor para a reportagem, com o objetivo de se tornar essencial a ele, o que alinha-se ao relato egoísta da autoajuda. Nos trechos destacados em sublinhado tracejado, o jornalista credita suas afirmações às fontes e faz isso duas vezes no lead, no início e no final do parágrafo, cujas expressões estão sublinhadas:
Mas, segundo construtoras e imobiliárias, é bom preparar o bolso, pois os apartamentos no Grande Recife, sobretudo na capital, ainda vão ficar mais caros.
Se preferir juntar dinheiro para esperar os preços baixarem, vai fazer um péssimo negócio, segundo construtoras e imobiliárias.
Ao citar indiretamente o que disseram representantes de construtoras e imobiliárias, o jornalista adere e concorda com o discurso deles e os utiliza para construir o seu, alertando e orientando quanto à compra do imóvel. Em outra parte do lead, como em vários momentos do texto, constatamos uma adesão tão marcante, que o discurso do jornalista chega a se misturar com o discurso das fontes, como se fossem originados de apenas uma pessoa:
Em 2010, a valorização já atingiu percentuais que em média ficaram em torno de 35%.
Então, se você encontrou um imóvel que lhe agrade e tem condições de fazer um bom negócio hoje, faça.
Essas informações acima não poderiam ser dadas a partir das ideias do próprio jornalista. Precisaria de alguém com autoridade no assunto, um especialista, para que o repórter pudesse apropriar-se dela e construir o seu texto. Tanto essa adesão, quanto a utilização de exemplos positivos e a presença de orações subordinadas adverbiais, observadas nesta e em outras amostras examinadas no momento da pesquisa são formas de intertextualidade com o discurso de autoajuda.
No caso da adesão especificamente, o jornalista, ao concordar e referendar as palavras do especialista, assume também indiretamente o caráter de julgamento do indivíduo e da construção do mesmo como alguém que precisa de orientação, o que é característico de um discurso que foca o aconselhamento.
Gastos. Use o cartão sem dívidas
(Folha de Pernambuco, 23.10.2011)
A manchete não traz um sutiã, mas no texto-legenda da foto verificamos esse foco em mostrar uma pessoa vencedora. A personagem da foto é um exemplo de sucesso e, assim como ocorre nos livros de autoajuda, a história dela é usada para mostrar que, com algumas atitudes, todo mundo consegue comprar sem se endividar. O texto-legenda diz o seguinte:
COM a chegada da temporada de compras de final de ano, todo cuidado é pouco com os gastos. Saiba o momento certo de usar ou não o cartão. E não faça dívidas impagáveis. Dione, por exemplo, gasta R$ 6 mil em presentes, mas faz o controle das despesas e consegue equilibrar o orçamento (Economia págs. 1 e 4)
O pequeno texto já dá o tom sobre em que a reportagem vai ser centrada: em alerta e orientação. Em “Com a chegada da temporada de compras de final de ano, todo cuidado é pouco com os gastos”, o enunciador coloca uma situação-problema, criando a expectativa no leitor de que é preciso atentar para o que está sendo discutido: o cuidado com os gastos. Essa estratégia também se observa em textos de autoajuda, como em:
“‘Você não entende, eu tenho muitos problemas’, ‘Você não pode imaginar os problemas que eu tenho na vida…’, ‘É fácil para você dizer essas coisas bonitas sobre a vida e o sucesso, porque não tem os problemas que eu tenho!’. Muitos se lamentam assim, e vêem (sic.) tudo fechado à sua frente, por causa dos problemas que são obrigados a enfrentar. De fato, a vida é um problema atrás do outro. A diferença é como você encara o problema e aprende com ele.” (RIBEIRO, 1999, p. 134)
Assim como no texto jornalístico, o trecho em Ribeiro (1999) traz um alerta e uma orientação. No caso do autor de autoajuda, o objetivo é mostrar como enfrentar os problemas da vida. Ou seja, a situação-problema criada pelo autor é justamente como enfrentar as dificuldades e, para isso, é posta, assim como no texto-legenda jornalístico, uma expectativa que anuncia a indicação de conselhos para aquela situação.
No texto jornalístico há o uso do imperativo afirmativo e negativo, orientando o leitor: “Saiba o momento certo de usar ou não o cartão. E não faça dívidas impagáveis.” Essa imposição é atenuada pelo conselho que é dado, o qual traz palavras positivas – “momento certo” – e negativas, mas com promessa de positividade porque são colocadas como forma de admitir e resolver o problema, que é evitar “dívidas impagáveis”.
A manchete de capa também faz o uso do imperativo e se apropria de uma palavra aparentemente negativa – “Gastos” – para em seguida torná-la positiva com a promessa de que o controle é possível: “Use o cartão sem dívidas”. O sintagma “sem dívidas” funciona como um elemento que confere positividade a todo o enunciado. Vejamos as estruturas semelhantes que encontramos nos textos de autoajuda, comparando com a manchete jornalística:
Manchete jornalística
Gastos. Use o cartão sem dívidas
(Folha de Pernambuco, 23.10.2011)
Elemento negativo – ‘Gastos’
Estrutura que torna o enunciado positivo – ‘Use o cartão sem dívidas’
Trechos de autoajuda
“Como resistir à tentação de gastar”
(CERBASI, 2004, p. 132)
Elemento negativo – “tentação de gastar”
Estrutura que torna o enunciado positivo – “Como resistir”
“Trabalhe seus pontos fortes que o resto se fortalece”
(RIBEIRO, 1999, p. 67)
Elemento negativo – “que o resto se fortalece” (representa os “pontos fracos”, ocultado no enunciado)
Estrutura que torna o enunciado positivo – “Trabalhe seus pontos fortes”
“Pense grande”
(RIBEIRO, 1999, p. 111)
Elemento negativo – “pensar pequeno” (sentido oculto no enunciado)
Estrutura que torna o enunciado positivo – “Pense grande”
O texto-legenda da manchete também possui a utilização de exemplos de sucesso, recurso narrativo bastante comum também nos textos de autoajuda. Em “Dione, por exemplo, gasta R$ 6 mil em presentes, mas faz o controle das despesas e consegue equilibrar o orçamento” percebemos o prenúncio de que vai haver na reportagem a orientação, mas também uma prova de que é possível alcançar o que o texto promete: o controle dos gastos e o equilíbrio das dívidas.
Os enunciados jornalísticos sobre finanças pessoais aqui estudados e os textos de autoajuda guardam entre si, portanto, pontos em comum. Tanto as manchetes quanto os enunciados de autoajuda colocam o seu destinatário como responsável pela sua vida e capaz de evitar e sanar problemas que venha a adquirir. É considerado capaz de resolver seus problemas, mas com a necessária orientação de uma autoridade no assunto.
Os enunciados de autoajuda dizem abertamente como o leitor deve fazer para conseguir êxito. A estrutura “como + verbo no infinitivo”, por exemplo, remete a um guia de instruções. Na manchete jornalística, esse grau de orientação é atenuado para garantir credibilidade ao veículo, cujo pilar discursivo é a informação noticiosa. No entanto, a estrutura não prescinde do caráter de orientação e, para tal, usa estruturas presentes em textos de autoajuda, como o verbo no imperativo.
Tanto a manchete jornalística quantos os enunciados de autoajuda mostram um direcionamento e prometem sucesso através de uma orientação. Esta é feita através de enunciados positivos: “Use o cartão sem dívidas”, “{…] resistir à tentação de gastar”, “Pense grande”. No entanto, carregam também um teor impositivo, visto que também possuem uma mensagem oculta de que o indivíduo só poderá alcançar sucesso no que é proposto se seguir as orientações dadas.
Agora vamos identificar na reportagem a qual a manchete remete a presença de uma característica marcante do discurso de autoajuda: a orientação. Encontramos conteúdos desse tipo nas mais diversas produções intelectuais humanas: no cinema, na música, na mídia etc. Vejamos alguns trechos da reportagem principal da manchete “Gastos. Use o cartão sem dívidas” (Folha de Pernambuco, 23.10.2011) para verificar essa regularidade e, em seguida, comparar com os textos de autoajuda.
Reportagem “Fim de ano: olho aberto nas finanças”
Comprar produtos em promoção, com antecedência e em estabelecimentos alternativos, é a dica do consultor financeiro Augusto Sabóia para que os gastos de fim de ano não pesem tanto no bolso. “O ideal é comprar a partir de janeiro e usar a criatividade. Em sebos, por exemplo, pode-se encontrar bons livros a R$ 2”, diz.
Quanto às formas de pagamento, ele recomenda que os consumidores, sempre que possível, realizem o pagamento à vista. “Nem considere cheque especial ou cartão de crédito para pagar essas despesas, pois a taxa de juros é altíssima”, afirma.
Em relação ao parcelamento de compras, a contadora e diretora do Grupo VO Trade, Simone Domingues, destaca que pode sair mais barato pedir empréstimo pessoal em um banco e pagar à vista. “É comum que a loja cobre uma correção pelo financiamento da compra. Além disso, os juros de cartão de crédito são mais caros”, explica.
Nos trechos destacados em sublinhado tracejado percebemos a adesão do jornalista ao discurso do especialista. O repórter cita de forma indireta os conselhos que o especialista dá e, indiretamente, busca orientar o leitor. Em seguida, nos trechos em sublinhado simples, o jornalista finaliza a argumentação com as palavras da fonte citadas de forma direta, através do recurso das aspas, dando uma orientação explícita.
Na matéria vinculada à reportagem principal também há essa ideia de orientação através do Procon, órgão que regula as relações de consumo e observamos ainda que os posicionamentos do jornalista e da especialista consultada são os mesmos quanto ao que o cidadão deve fazer. Vejamos:
Procon vai ensinar a controlar despesas
Para muitos, a chegada de dezembro representa uma boa oportunidade de presentear pessoas queridas. Porém, o que preocupa diante da grande demanda pelas compras é gastar além do que se tem e a falta de controle de despesas e dívidas depois das festas. Diante desse cenário, o Procon Recife abrirá inscrições, neste fim de ano, para o curso gratuito de Educação Financeira para o Consumo. “O objetivo principal da atividade é discutir temas relacionados ao controle de despesas e dívidas, além de orientar o consumidor ao não endividamento, fazendo com que ele não se perca nas contas”, explica a diretora do órgão, Cleide Torres.
No trecho em sublinhado tracejado, o jornalista expõe o contexto da matéria, que é a chegada das festas de fim de ano, e aponta para um costume tradicional, que é o de presentear as pessoas. Em seguida, ele adere ao discurso da especialista ao citar, de forma indireta, que “o que preocupa diante da grande demanda pelas compras é gastar além do que se tem e a falta de controle de despesas e dívidas depois das festas.”
Apesar de não ser dito explicitamente a quem preocupa o ato de gastar além das possibilidades, essa revelação vem no trecho subsequente, quando ele afirma que “Diante desse cenário, o Procon Recife abrirá inscrições, neste fim de ano, para o curso gratuito de Educação Financeira para o Consumo.” Ou seja, quem se preocupa é o Procon, mas a adesão do jornalista ao discurso da fonte está tão próxima que se torna quase que imperceptível o discurso de um e de outro quando o texto não traz as aspas. Desse modo, ambos, tanto o jornalista quanto a fonte, acabam executando a tarefa de orientar o leitor.
Nos textos de autoajuda, essa regularidade de orientação é mais evidente por conta da publicação ser abertamente direcionada para esse fim. Mesmo assim, percebemos uma similaridade muito próxima com os textos jornalísticos, no tocante ao objetivo de orientar. Comparemos um dos trechos jornalísticos analisados acima com um trecho de autoajuda:
Trecho jornalístico (Folha de Pernambuco):
Comprar produtos em promoção, com antecedência e em estabelecimentos alternativos, é a dica do consultor financeiro Augusto Sabóia para que os gastos de fim de ano não pesem tanto no bolso. “O ideal é comprar a partir de janeiro e usar a criatividade. Em sebos, por exemplo, pode-se encontrar bons livros a R$ 2”, diz.
Trecho de autoajuda:
Para conseguir rendimentos melhores, o investidor tem de recorrer a ativos de risco, como ações. Em alguns meses vocês perceberão que obter algo em torno de 1% ao mês no mercado de ações requer estratégias simples: basta adquirir certa experiência, acompanhar as notícias e acreditar nas empresas mais sólidas. (CERBASI, 2004, p. 45)
Em ambos os trechos, a única diferença é o estilo do texto. No jornalístico, o enunciador não pode tomar abertamente para si as palavras da fonte como se fosse o autor delas. Por isso, recorre ao discurso indireto e o direto, com o uso das aspas.
Em Cerbasi (2004), o próprio autor é a fonte de um livro que se propõe a ensinar os casais a poupar dinheiro e conquistar uma independência financeira. O autor já tem a autoridade no assunto por ser especialista, o que não ocorre no texto jornalístico, já que o repórter precisa recorrer ao especialista. No entanto, em ambos os casos os especialistas adotam a postura da orientação, que confere ao tema a proposta de ajudar quem está precisando de conselhos no tocante às questões financeiras.
Terceira etapa: a prática social
Como o próprio Fairclough (2001) coloca, não há um procedimento fixo de se fazer análise de discurso. De acordo com ele, o estudo pode ser realizado de formas diversas, a depender da natureza e dos objetivos da investigação. A prática social é a instância que abriga os outros elementos do modelo tridimensional proposto pelo teórico e adotado neste trabalho, que são a prática discursiva e o texto, e nos oferece um panorama geral do contexto do qual o objeto de estudo faz parte.
Entendemos, a partir de Fairclouhg (2001), que as relações discursivas estão marcadas também por relações sociais. Claro que seria impossível analisar um objeto discursivo sem debruçar-se sobre cada uma das três dimensões. Um mínimo de divisão é necessário para garantir clareza na exposição dos dados e, pelas considerações expostas acima, iniciamos a nossa análise pela prática social.
As manchetes de capa de jornal são um problema social porque estão sempre propondo à audiência um pensamento ideologicamente constituído, a partir de uma estrutura hegemônica, que é a mídia. Os jornais analisados valem-se desse cenário social e aderem ao discurso do “como fazer” nas abordagens sobre finanças pessoais, colocando-se para o leitor muito mais que intermediadores da solução dos problemas, mas conselheiros que ajudam a quem precisa de orientação.
E fazem isso amparados no senso comum de que a mídia possui o poder da verdade e de esclarecer os fatos e assuntos dos mais variados interesses. Apesar disso, entendemos que a mídia não tem o poder de cristalizar esse senso comum em ideologia porque já há movimentos da sociedade no sentido de questioná-la. Há uma desigualdade de poder entre mídia e leitor, que ocupam as posições de orientador e orientado, respectivamente, mas essa desigualdade não imobiliza o indivíduo, não o torna um mero joguete midiático.
As manchetes sobre finanças pessoais têm pontos em comum com a matriz social do discurso de autoajuda e reproduzem essa ordem discursiva da autoajuda em vários dos seus enunciados. Isso evidenciou mais um discurso com o qual a mídia se comunica incessantemente, pelo menos no tocante aos enunciados sobre finanças pessoais: a autoajuda. Por aderir ao discurso do especialista, que julga e orienta quem tem problemas financeiros, os enunciados midiáticos sobre finanças pessoais são tão semelhantes aos textos de orientação.
Assim como na literatura de orientação, as manchetes jornalísticas também consideram o indivíduo como necessitado de aconselhamento e responsável por sua boa ou má condição financeira de vida. Mesmo sendo o responsável, a mídia, assim como a literatura de autoajuda, considera que esse indivíduo é capaz de sair das dificuldades se empreender esforços pessoais e seguir as orientações que lhe são dadas.
Há também papeis sociais da mídia e do leitor que são exercidos com regularidade. E isso faz com que haja um senso comum partilhado com regras definidas sobre os atores sociais. Sob o aspecto microssociológico, podemos dizer que de um lado há o jornalista, que forma uma ideia sobre quem vai ler o seu texto. De outro lado há o leitor, aquele constituído tanto pelo jornalista, como pelo especialista consultado para a matéria sobre orientação financeira. E há também a pessoa-exemplo, ou seja, alguém cuja história vai servir de parâmetro para exemplificar o que a matéria está mostrando.
É possível visualizar esse perfil microssociológico ao verificarmos detalhadamente o agir dos atores sociais envolvidos nas reportagens sobre finanças pessoais. Há o especialista em finanças pessoais. Este detém a autoridade de dizer o que é adequado ou não fazer com o dinheiro e tem o poder de julgar se o uso de um recurso para determinado fim está ou não conveniente com a capacidade financeira do indivíduo.
O outro ator é o jornalista, que articula as informações prestadas pelo especialista e procura dar a elas o tom jornalístico, ou seja, identificar no material os valores-notícia que podem ser ressaltados para que o assunto torne-se atrativo à audiência. Outro ator é a pessoa-exemplo, que está endividada ou com as finanças sadias.
A história financeira dessa pessoa é utilizada para compor a reportagem, geralmente confirmando o que está sendo afirmado pelo especialista cuja posição, muito comumente, recebe a adesão do jornalista. Este adere também ao discurso da pessoa-exemplo quando ela está dentro dos padrões ideais descritos pelo especialista, sobre ser alguém controlado financeiramente.
Por isso, afirmamos que a adesão do jornalista ao especialista é muito mais frequente e comum nas amostras analisadas do que às pessoas-exemplo. Isso pode ser explicado pelo fato de o especialista ter a autoridade de versar sobre o tema, conferindo às pessoas-exemplo o papel de coadjuvantes desse processo noticioso. Estas são utilizadas com o propósito de passar pelo julgamento do especialista como controladas ou não financeiramente. Esses três elementos – o especialista, o jornalista e a pessoa-exemplo – integram o perfil microssociológico analisado.
Percebamos que o leitor é, nesse caso, formado e julgado por dois atores efetivos na produção da notícia: o jornalista e o especialista, que é a fonte. As pessoas-exemplo, que são as histórias de quem conseguiu organizar-se financeiramente, são uma representação do leitor na reportagem, justamente para criar uma aproximação do conteúdo com a vida real.
Tanto as manchetes quanto os textos das reportagens sofrem transformações que se alternam entre paráfrases das ideias do especialista consultado e o posicionamento do jornalista que redigiu a matéria. Ora o jornalista adere ao que o especialista diz, ora se distancia para afirmar, através de um personagem da reportagem, um caso de sucesso, sempre culminando no incentivo para o leitor endividado também conseguir a façanha de equilibrar as contas.
Apesar dessa variação de posições, essa própria alternância é relativamente estável. Ou seja, sempre percebemos construído nos enunciados e nos textos um leitor endividado e um leitor equilibrado. Talvez esta seja uma estratégia discursiva midiática que obedeça à tentativa de atender a uma audiência heterogênea, ou seja, pessoas endividadas ou equilibradas financeiramente. As primeiras são colocadas como desorganizadas e as últimas, como o seu oposto, tornando-se os exemplos ideais para sistematizar os argumentos a favor da gestão do dinheiro pessoal.
Argumentamos que isso já se configura como uma prática social vigente e naturalizada, empreendida pelos organismos midiáticos como forma de manterem a postura de orientadores. Com isso, o jornal consegue arregimentar o interesse de um público diversificado financeiramente, através de uma postura orientacional, mas, implicitamente, julgadora. Ao mesmo tempo em que orienta, aponta erros que fazem com que as pessoas se descontrolem financeiramente. Essa oscilação de posicionamento nos parece constituir o perfil macrossociológico das amostras analisadas.
O papel da mídia e o papel do leitor constitui uma relação de poder que estabelece ser a mídia o condutor e o leitor, o conduzido. Aquela exerce o poder sobre este. Trata-se de uma relação que está inscrita na estrutura social midiática e é afetada pelas relações de poder. De um lado, a mídia – o poder dominante. O leitor, na outra ponta, é aquele a quem é oferecido conteúdos provenientes de fontes ditas confiáveis e com credibilidade.
Essa polarização afeta as relações de poder entre a mídia e o leitor, tornando-as hegemônicas, já que o leitor também pode rejeitar o que está sendo produzindo pela mídia. Essa rejeição pode vir acompanhada de ações punitivas, como o questionamento das notícias através da internet, que tem nas redes sociais o seu maior veículo, e também do envio de críticas para os organismos midiáticos, embora esse recurso, consideramos, tenha menos repercussão do que a ação anterior.
As manchetes de capa de jornais estão, portanto, inseridas numa rede de práticas que se situam no âmbito midiático e trazem consigo todas as nuances relativas a esse meio. Os enunciados são construídos a partir de uma rede de práticas jornalísticas, que mantêm com outros elementos sociais uma relação simbiótica, quase se confundindo entre si.
Isso se deve ao fato de a mídia ser um território onde se manifestam e são produzidas estruturas híbridas, pensamentos diversos e conflitantes entre si. A mídia é uma arena de lutas ideológicas e também de reprodução de conceitos e (pré) conceitos que buscam a todo tempo, sobre qualquer assunto, se fazerem enxergar como essenciais, verdadeiros e imparciais.
A regularidade das manchetes sobre finanças pessoais é um efeito do “reclame” que esse tipo de assunto requer. Há um calendário financeiro fixo e outro volátil o qual é utilizado pelas mídias para produzir conteúdo considerado relevante. Como calendário fixo, pode-se citar o décimo-terceiro salário, a restituição do Imposto de Renda, o pagamento do IPVA, do IPTU etc.
Como calendário financeiro volátil, há as orientações que a mídia faz através de especialistas sobre as várias formas de lidar com o dinheiro: como aplicar na poupança; como ganhar dinheiro com o mercado de ações; como economizar nas compras do mês; como fazer um orçamento sem se endividar etc. Por toda essa regularidade de assuntos trazidos pela mídia, em suas diversas plataformas, pode-se perceber que há certa demanda da sociedade, que consome esse tipo de informação com caráter de orientação.
CONCLUSÕES
Identificamos neste trabalho semelhanças discursivas entre as manchetes de capa de jornais sobre finanças pessoais e os textos de autoajuda. Tanto as manchetes sobre finanças pessoais quanto os enunciados de autoajuda possuem um caráter orientacional porque constituem em seus enunciados um leitor que necessita de aconselhamento, de direcionamento.
Mas, ao mesmo tempo em que enxergam a audiência como um ser que precisa de orientação, também a motiva, constituindo os seus componentes como pessoas que são capazes de, seguindo as orientações, conseguirem sucesso. É a cultura do “você consegue se souber como fazer”. Verificamos nas manchetes de jornais essas duas construções da audiência, o que confirma a nossa primeira hipótese:
Hipótese 1 – As manchetes de capas de jornais referentes a finanças pessoais colocam o leitor como responsável pelo seu sucesso ou fracasso financeiro e ao mesmo tempo também o constrói como um dependente de orientação.
São determinantes para essa constatação tantos os enunciados modalizados por orações assertivas, como também aqueles focados para a orientação ao leitor como, respectivamente, em “Prepare o bolso” [vi] e “Gastos. Use o cartão sem dívidas”[vii]. Também a presença nas manchetes de enunciados modalizados com verbos no imperativo, que configuram uma característica marcante nos textos de autoajuda, deu pistas sobre a semelhança discursiva dos conteúdos jornalísticos com os textos de orientação.
Apresentamos vários exemplos como “Família inteira deve planejar gastos da casa”[viii] e “Evite dívidas nas viagens de férias”[ix]. Este último, inclusive, foi mostrado a partir da agência, passivizando o destinatário da mensagem já que o enunciador, oculto, exerce através do verbo no imperativo o papel de voz da consciência do leitor. Encontramos ainda vários excertos que notificam o uso comum do verbo no imperativo esboçando uma orientação nos enunciados jornalísticos.
A comprovação da primeira hipótese, constatando a constituição de um leitor necessitado de orientação e responsável pelo seu êxito, tornou possível a confirmação da segunda, que se refere à presença de um discurso de autoajuda nas manchetes de capa de jornais sobre finanças pessoais, conforme citada a seguir:
Hipótese 2 – Nessas manchetes há a presença de um discurso de autoajuda, que diz ao leitor a forma como ele deve gerir o próprio dinheiro.
Mais uma vez, as semelhanças linguísticas e discursivas dos textos jornalísticos com os de autoajuda nos possibilitaram a confirmação da hipótese acima. Essas semelhanças foram encontradas em todas as manchetes do corpus assim como nos textos das reportagens às quais elas remetem.
Além dos elementos já apresentados – orações assertivas e verbos nos imperativo – observarmos o compartilhamento em ambos os discursos de expressões do tipo “como + verbo no infinitivo”, comum nos textos de autoajuda e também bastante presentes nos textos jornalísticos a exemplo de: “Como comprar sua casa em tempos de preço alto” [x].
Ainda no campo das semelhanças linguísticas, observamos o uso de orações subordinadas condicionais adverbiais, muito comuns nos textos de autoajuda, que expressam uma condição e acabam orientando o leitor também sobre as implicações em não seguir aquele aconselhamento.
No campo das semelhanças discursivas, os paradigmas dos relatos de autoajuda, elencados por Rüdiger (1996), a identificação de enunciados motivacionais e de incentivo e o uso de exemplos de sucesso que tornaram possíveis mais confirmações. Em relação aos paradigmas, identificamos a presença dos mesmos nas manchetes de capa como também em textos das reportagens, reafirmando uma regularidade discursiva em todas as partes do corpus.
Os paradigmas dos textos de autoajuda referem-se aos relatos místico, ascético e egoísta. Uma vez que já foram apresentados e discutidos no capítulo anterior, vamos apenas relembrar aqui uma das manchetes em que identificamos e discutimos um destes paradigmas, que foi em “Como organizar suas finanças” [xi]. Este enunciado traz a ideia de que o controle financeiro depende da atitude do indivíduo, concepção central do relato místico: a solução e o problema estão no interior de cada pessoa.
A identificação de enunciados motivacionais e a utilização de exemplos de sucesso, tão comuns nos textos de autoajuda, também foram encontradas nos enunciados jornalísticos. As manchetes “Escape das dívidas” [xii] e “Entre em 2012 no azul” [xiii] foram dois exemplos sobre enunciados que trazem uma orientação, mas são modalizados incentivando o leitor a conseguir alcançar o objetivo trazido pela reportagem.
Sobre a utilização de exemplos de sucesso, trouxemos para a análise trechos que representam a regularidade encontrada em todo o material examinado. Nas reportagens sobre finanças pessoais sempre há a história de alguém que estava com problemas e conseguiu resolvê-los ou que sempre foi uma pessoa controlada financeiramente e, por conta disso, serve de modelo para os que querem ter uma boa relação com o dinheiro.
Nos textos de autoajuda utilizados como parâmetro comparativo, observamos também a utilização de exemplo em Cerbasi (2004) e em Ribeiro (1999). No primeiro, em muitos trechos, não foi possível identificar se eram provenientes de casos reais ou se tratavam de casais hipotéticos cujas histórias foram criadas para fazer o leitor compreender a situação real. Ribeiro (1999) utilizou-se de exemplos reais de personagens históricos, como Thomas Edison, e também de supostos indivíduos, no entanto, deixava isso claro nos seus textos.
A terceira e última hipótese do nosso estudo, consequência das duas anteriores, considera que:
Hipótese 3 – Essa orientação ao leitor sobre a gestão do dinheiro mostra-se linguisticamente através de enunciados positivos, mas subliminarmente carregam um teor impositivo.
Observamos que as manchetes jornalísticas analisadas evidenciam uma orientação e um direcionamento ao leitor. No entanto, essa nuance de aconselhamento também oculta uma imposição, porque diz ao destinatário o que ele deve fazer para alcançar bons resultados.
Podemos afirmar, com base em todas as características discutidas nesse trabalho, que os enunciados jornalísticos sobre finanças pessoais têm o objetivo claro de orientar, mas oculta nessa orientação uma imposição. Além de julgar o leitor como alguém que não pode gerir sozinho a sua vida e precisa de conselhos, também diz a ele o que e como deve fazer. Podemos observar essa imposição velada em todos os enunciados das amostras.
A confirmação das três hipóteses nos possibilitou também raciocinar sobre a matriz social do discurso jornalístico no tocante aos enunciados sobre finanças pessoais. Identificamos que as manchetes de capa analisadas, juntamente com suas respectivas reportagens, inscrevem-se na matriz social do discurso de autoajuda no tocante às características mais marcantes deste: a orientação e o incentivo ao sucesso.
Ressaltamos que as reflexões feitas neste trabalho não têm o objetivo de julgar o trabalho da mídia ou dos autores de livros classificados como de autoajuda. Visam, de fato, proporcionar ao leitor a oportunidade de enxergar que organismos hegemônicos constituem os indivíduos de acordo com os seus interesses. A mídia e o mercado literário, campos aqui trazidos através do corpus avaliado, têm seu objetivos de audiência e para isso recorrem a estratégias discursivas e mercadológicas para sobreviverem no mercado capitalista.
O que os cidadãos que lidam com esses conteúdos precisam, a nosso ver, é também tomarem consciência desses movimentos de cunho eminentemente ideológico e constituírem-se, cada vez mais, como seres sociais capazes de enxergar o que não está escrito nem nas entrelinhas. Com esse trabalho esperamos ter contribuído para incentivar reflexões sobre uma das inúmeras partes da vida social, que é a produção midiática.
Somos conscientes da importância cada vez maior do indivíduo ter entendimento do mundo que o cerca e daquele mundo que é construído através de relatos das mais variadas naturezas, como são os relatos jornalísticos. Isso não significa que os enunciados jornalísticos sobre finanças pessoais não estabeleçam simultaneamente semelhanças com outros discursos – como o publicitário e o didático, por exemplo. Julgamos ser a intertextualidade na mídia um assunto detentor de uma infinidade de opções de investigação nos trabalhos acadêmicos. É uma janela que sempre está aberta a diferentes olhares.
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NOTAS:
[ii] Disponível em: http://migre.me/b5VSW
[iii] Disponível em: http://migre.me/b5VWC
[iv] Pequeno título colocado no meio do texto com a função de introduzir um assunto relativo ao tema e arejar visualmente a página. Disponível em: http://bit.ly/P9z6DO. Organização: professor Marconi Oliveira Silva.
[v] Fonte: Superinteressante, ed. 15, dez/1998. Disponível em: http://migre.me/be4FD. Acesso em: 19/10/2012.
[vi] Diario de Pernambuco, 17.02.2011.
[vii] Folha de Pernambuco, 23.10.2011.
[viii] Jornal do Commercio, 01.01.2012.
[ix] Diario de Pernambuco, 26.12.2011.
[x] Jornal do Commercio, 06.02.2011.
[xi] Diario de Pernambuco, 27.06.2011.
[xii] Diario de Pernambuco, 29.01.2011.
[xiii] Folha de Pernambuco, 18.12.2011.
This article originally appeared on Transcend Media Service (TMS) on 20 May 2013.
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