(Português) Jihadistas na Casa Branca e os Gasodutos da Eurásia
ORIGINAL LANGUAGES, 8 Sep 2014
Nazanín Armanian – Carta Maior
Um dos objetivos da atual ofensiva lançada contra a Rússia pelos EUA é forçar a Gazprom Germania a suspender cerca de 25 projetos que desenvolve na Europa.
Em 1985, o mulá Omar e sua equipe Jihadista-Talibã-Al Qaedista foram convidados por Ronald Reagan à Casa Branca para tomar chá e negociar a construção do gaseoduto trans-afegão (Turcomenistão-Afeganistão-Paquistão-Índia, “Tapi”) sobre as ruínas do espaço soviético.
Depois do 11 de setembro, e para não ferir sentimentos, esses encontros com a ultradireita islâmica, financiada pela CIA, transladaram-se às bases do Pentágono no Golfo Pérsico: dali é de onde saem os “rebeldes” afegãos, chechenos, líbios, iemenitas, sírios, iraquianos, chineses, entre outros, com a missão de cortar cabeças e provocar o chamado “caos criativo” – ou o que dá no mesmo, guerras – nos países rivais e/ou produtores de hidrocarboneto.
O atual “Grande Jogo” entre as grandes e médias potências do mundo, que na Eurásia faz agitar a bandeira negra jihadista, continua girando em torno dos gasodutos. Nesse jogo, a ofensiva do intrépido Obama contra a China – sua principal obsessão – passa pelo controle do gás da Rússia e do Irã, principais reservas mundiais do “ouro azul”, com a finalidade de impedir a chegada de energia às veias da economia do gigante asiático.
A recessão econômica dos principais clientes do gás russo, a falta de segurança provocada pelas guerras e a forte entrada dos EUA como produtor de gás de xisto – e o uso da técnica de fraturação hidráulica e perfuração horizontal que tornaram possível a exploração do conhecido como “tight gas” (o gás das areias compactas), do “shale gas” (o gás de formações argilosas) e o petróleo de xisto -, não somente mudaram o lugar dos vendedores e compradores de energia, como transformaram em obsoletas as instalações dos tradicionais produtores.
Gazprom, Total e Statoil, por exemplo, suspenderam o grande projeto iniciado em 2007 na reserva de gás de Shtokman, no Mar de Barents: o cliente interessado, os EUA, já não precisavam. Que este país deixasse de comprar 40% do gás do Catar fez com que o sultanato buscasse novos clientes, ainda que, por eles, tivesse que contratar os matadores do Estado Islâmico para arrasar a Síria e o Iraque, facilitando o caminho do gasoduto árabe.
Excessivo “fracking” e muito excedente de gás fizeram baixar os preços e provocaram a quebra de muitas pequenas empresas, razão pela qual as companhias começaram a exportá-lo, sem que o Congresso levantasse a proibição que pesa sobre as exportações de hidrocarboneto desde 1975: o primeiro barco zarpou rumo à Coreia do Sul.
A suposta “autossuficiência energética” dos EUA pode ter consequências inesperadas: seus antigos provedores deixarão de armazenar dólares, enquanto a Rússia pedirá rublo ou yuan em troca de seus produtos, introduzindo, no sistema monetário mundial, os termos “petrorublo” e “petroyuan”, com tudo o que isso pode acarretar.
Rússia: “areia movediça”
Um dos objetivos da atual ofensiva militar e econômica lançada contra a Rússia pelos EUA é forçar a Gazprom Germania, empresa estatal do gás russo com sede em Berlim, a suspender cerca de 25 projetos que estava desenvolvendo na Europa, e que ia transformar a maior companhia estatal de gás natural do mundo. A resposta de Vladimir Putin foi assinar com a China um mega acordo para administrar o gás a partir de 2018 durante as próximas três décadas, fortalecendo a Organização para a Cooperação de Xangai e também os Brics, e de quebra aumentar a entrada do capital chinês na economia russa.
A guerra do gás também explica parte das razões do respaldo do Kremlin a Bashar Al Assad. Enquanto ele estiver no poder, não permitirá a construção do gasoduto árabe, nem catariano, e os sauditas permitirão que o Irã inicie o gasoduto Irã-Iraque-Síria, formalizado em 2011, e que seria inaugurado em 2016. Os EUA, que buscam o declínio político de Moscou e o desmantelamento da Federação Russa, conseguiu, com as sanções, aumentar o preço do gás – que pode chegar até 50% – e assim lhe compensar pela perda nas vendas devido às sanções!
Com seus gasodutos South e North Stream, a Rússia enterrou o projeto Nabucco — financiado pelos EUA, Turquia, Reino Unido, França e Israel — e comprando o gás do Turcomenistão e Azerbaijão para as próximas décadas, mantendo seu domínio quase absoluto sobre o gás e as tubulações da Eurásia. Nesta guerra do gás, somente Bulgária e Sérvia se desvincularam da South Stream.
Os dirigentes europeu que antecipam os interesses das empresas dos EUA aos dos seus povos, não têm nenhum substituto para o gás russo: perderam a Líbia, hoje desaparecida no caos, enquanto os “amigos americanos” impediam o início do gasoduto Irã-Turquia-Europa, cujo protocolo foi assinado em 2008, e precisam esperar o xisto dos EUA. E é melhor fazerem isto sentados: não chegará em tempo, não será suficiente. Que se conformem que a Otan ganhou na Ucrânia e que parem este conflito que pode acabar em uma guerra total.
Irã, inexplorado e isolado
As negociações nucleares entre Ocidente e Irã sofrem altos e baixos, devido a incertezas e tensões no cenário político da região: a Europa clama pela volta do Irã ao mercado de energia, ao contrário dos republicanos dos EUA, de Israel, da Arábia e do Catar.
As ameaças militares, as sanções, os jihadistas do Estado Islâmico e também as peculiares características da teocracia governante transformaram este gigante energético. O Irã ocupa o espaço privilegiado de importador de produtos petrolíferos – recebe gás turcomano.
Os EUA, além de impedirem a construção do Tapi, evitou que o Paquistão e a Índia construíssem o gasoduto IPI para receber o gás iraniano do Golfo Pérsico. A Índia ficou sem o gás “trans-afegão” e sem o iraniano: em troca, Washington “bancou” sua arma nuclear ilegal e talvez receba um lugar no Conselho de Segurança. A desgraça indiana decerto beneficia a China.
Apesar de Teerã ter cedido em seu programa nuclear, Barack Obama renovou a Lei de Emergência Nacional sobre o Irã, mantendo as sanções contra a indústria energética iraniana.
O “gasoduto árabe”
Os três bilhões de dólares que o Catar investiu no terrorismo jihadista na Síria e no Iraque não são para restaurar o Islã maometano, mas sim dividir os governos dos dois países, impedindo assim a construção do gasoduto Irã-Iraque-Síria, para depois erguer o seu.
Catar, que compartilha com o Irã o domínio sobre o campo do gás de “Pars do Sul”, um dos maiores do mundo, descoberto em 1990 no Golfo Pérsico, tem dois projetos: “Catar- Arábia Saudita-Kuwait-Iraque-Turquia” e “Catar- Arábia-Jordânia- Síria-Turquia”. Em 2009, Assad havia rejeitado a proposta por conta de sua aliança com Moscou e Teerã, e há dúvidas razoáveis de que consiga realizá-los.
Erdogan: “Aqui quem não corre voa”
A Turquia, dos principais apoios do terrorismo jihadista, planeja levantar um gasoduto que lhe conecte à Região Autônoma do Curdistão Iraquiano. Mau negócio em meio a intermináveis conflitos! Ancara ainda não se recuperou das perdas bilionárias sofridas com a invasão dirigida pelos EUA ao Iraque em 2003, que destruiu o oleoduto turco-iraquiano, nem do desgosto da perda do projeto Nabucco.
Talvez devesse se conformar com o contrato assinado em Moscou em 2011 para o transporte de parte do gás da South Stream, e com o que o Irã lhe envia para consumo interno. Teerã não quer contribuir para o fortalecimento de um membro da Otan em suas fronteiras, que, além disso, tenta derrubar seu aliado em Damasco e em Bagdá.
O Ocidente também não gosta que Erdogan tenha o monopólio sobre o transporte de hidrocarboneto do Cáspio ou do Pérsico para a Europa: poderia utilizar esta vantagem para pressionar a UE, que lhe quer como um peão no mapa europeu.
China, sem se alterar
“Acupuntura em vez de ataque cirúrgicos” dos EUA continua sendo a política de Pequim contra as guerras líquidas dos EUA. Após inaugurar, em 2009, o maior gasoduto do mundo, que transporta o gás do Turcomenistão até Xinjiang, a China começou a construir outras cinco tubulações que unem seu vasto território com a Ásia Central.
As tentativas de Washington de estrangular sua economia por meio do controle sobre o Estreito de Malaca, pressionar Myanmar (como dar um Nobel da Paz à oposicionista Aung San Suu Kyi), para que deixasse de construir o sistema de transporte de hidrocarboneto à China, sancionar o Irã suspendendo o “contrato do século” da venda de gás durante 25 anos, que Teerã assinou com Pequim em 2004, ou desalojar o porto paquistanês de Gwadar, no oceano índico, têm sido parte das travessuras da Casa Branca contra a China.
Os EUA, que abandonaram o Paquistão no caos total, estão planejando “independentizar” a província de Baluchistão — um mar de gás, além de grandes minas de pedras preciosas, com pessoas vivendo em miséria absoluta —, porque a China planeja colocar um gasoduto nesta província.
O desgarrado Oriente Próximo ainda pode piorar: os jihadistas não são mais do que um pretexto e instrumento para uma grande guerra pelo gás, que tem o Irã em seu ponto de mira.
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Nazanín Armanian é iraniana residente em Barcelona desde 1983, data em que se exilou de seu país. Licenciada em Ciência Política, leciona cursos on-line na Universidade de Barcelona. É colunista do site Publico.es.
A tradução é de Daniella Cambaúva.
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