(Português) Nações Unidas – 70 Anos
ORIGINAL LANGUAGES, 19 Oct 2015
Emb. Sergio Duarte – TRANSCEND Media Service
Setenta anos atrás, em 24 de outubro de 1945, entrou em vigor a Carta das Nações Unidas. Fora assinada no dia 26 de junho pelos 51 membros originais que haviam participado da fase final de negociações em São Francisco, na Califórnia. A organização internacional conta hoje com 193 Estados-membros, abrangendo toda a comunidade das nações.
O Preâmbulo da Carta contém os elevados ideais em se baseou a fundação das Nações Unidas. Declara a decisão de seus povos de poupar as gerações futuras do flagelo da guerra, reafirmar a confiança nos direitos humanos fundamentais, estabelecer condições nas quais a justiça e o respeito ao Direito Internacional possam ser mantidos e promover o progresso social e melhores padrões de vida em ampla liberdade. Em seguida, define as maneiras por meio das quais esses ideais podem ser atingidos: convivência pacífica, união de esforços para a manutenção da paz e segurança internacionais, uso de força armada somente no interesse comum e promoção do progresso social e econômico de todos os povos.
É difícil imaginar como seria o mundo de hoje sem as Nações Unidas. Concebida como sociedade de vencedores de um sangrento conflito em um mundo que começara a curar suas feridas, evoluiu transformando-se em uma organização social eclética, integralmente dedicada a todos os aspectos da vida e das aspirações humanas. Não há outra forma de tratar da promoção da justiça e do progresso econômico e social de todos os povos e da manutenção da paz e da segurança senão por meio da cooperação em um espírito verdadeiramente multilateral. Nenhum país, por mais poderoso que seja, pode pretender êxito em abordar individualmente tais questões.
Em 2001, uma reunião de cúpula convocada pelas Nações Unidas definiu oito objetivos que se tornaram conhecidos como “Metas do Milênio” (MDGs, na sigla em inglês), a fim de reduzir pela metade a pobreza extrema, evitar a disseminação do vírus HIV/AIDS e proporcionar instrução primária universal, entre outras metas. No início da Sessão de 2015 da Assembleia Geral, Chefes de Estado e de governo se reuniram novamente nas Nações Unidas para avaliar o progresso alcançado. Nas palavras do Secretário-geral Ban Ki-Moon, esforços conjuntos durante os quinze anos anteriores haviam permitido a populações em todo o mundo melhorar suas vidas e suas expectativas futuras. As MDGs tinham tido papel importante em resgatar da pobreza extrema mais de um bilhão de pessoas, em progredir no combate à fome, em habilitar maior número de meninas a frequentar a escola do que anteriormente, e em proteger o planeta. As “Metas” contribuíram para a geração de novas e inovadoras parcerias, galvanizaram a opinião pública e demonstraram o imenso valor de traçar objetivo ambiciosos.
O Secretário-geral reconheceu também que ainda persistiam desigualdades e que o progresso havia sido instável. Dezessete “Objetivos Sustentáveis para o Desenvolvimento”, a serem atingidos até 2030, foram adotados como ambicioso prosseguimento das Metas do Milênio. Tais objetivos são, em resumo, eliminar a pobreza e a fome, atingir segurança alimentar e melhoria da nutrição, além de promover a agricultura sustentável; assegurar vida saudável e bem-estar para todos; assegurar igualdade de oportunidades e educação de qualidade equitativa; atingir a igualdade de gêneros; assegurar água e saneamento para todos; assegurar acesso à energia para todos; promover crescimento econômico sustentado e trabalho decente para todos; reduzir as desigualdades dentro de cada país e entre os países; tornar seguras, resistentes e sustentáveis as cidades e assentamentos humanos; assegurar padrões sustentáveis de consumo e produção; agir eficazmente no combate às mudanças climáticas e seus impactos; conservar e utilizar de modo sustentável os oceanos, mares e recursos marinhos; proteger, recuperar e promover o uso sustentável dos ecossistemas terrestres; promover sociedades pacíficas e inclusivas proporcionando justiça para todos; finalmente, fortalecer os meios para implementar e revitalizar a parceria global para o desenvolvimento sustentável.
A adoção unânime dos novos objetivos demonstra cabalmente que os Estados-membros das Nações Unidas compreendem a necessidade de esforços conjuntos e de constante cooperação a fim de assegurar o progresso social e o desenvolvimento econômico. É necessária compreensão semelhante quanto ao valor da cooperação e do reconhecimento dos interesses legítimos de todos os Membros e de todos os povos a fim de lidar de maneira satisfatória com os problemas relativos à manutenção da paz e da segurança internacionais, nos quais a organização mundial não tem conseguido progressos significativos e duradouros.
As Nações Unidas e a bomba atômica acabam de completar setenta anos: menos de um mês após a assinatura da Carta o mundo foi abalado pelo advento da arma mais terrível jamais inventada pelo engenho humano. A primeira detonação experimental de um explosivo atômico, em 16 de julho, e seu uso em 6 e 9 de agosto de 1945, marcaram o início da proliferação de armas nucleares e inauguraram um período de rivalidade e confrontação que ameaçou extinguir a vida e a civilização humanas com o simples toque de um botão. Várias décadas se passaram até que a maioria das nações viesse a concordar em observar certo número de arranjos juridicamente obrigatórios que impedem o desenvolvimento de armas nucleares, em troca de garantias de que seriam tomadas medidas para chegar ao desarmamento nuclear. Não obstante, os poucos Estados possuidores dessas armas assustadoras continuam a afirmar a intenção de conservá-las indefinidamente, modernizá-las e eventualmente empregá-las, mesmo contra aqueles que se comprometeram a não adquirir capacidade bélica semelhante. Mais ainda, demonstram pouco interesse em aceitar acordos multilaterais juridicamente obrigatórios para a eliminação de seus arsenais em fases definidas no tempo.
Há setenta anos a Carta das Nações Unidas estabeleceu como órgãos principais um Conselho de Tutela, um Conselho Econômico e Social e um Conselho de Segurança, encarregados, respectivamente, de conduzir o processo de descolonização, promover o desenvolvimento econômico e social e manter a paz e a segurança internacionais. As atividades do Conselho de Tutela foram suspensas em 1994, quando o derradeiro território sob jurisdição das Nações Unidas adquiriu sua independência. Atualmente esse Conselho somente se reúne quando necessário. O Conselho Econômico e Social, cujos 54 membros têm atribuições igualitárias, continua a trabalhar diligentemente com diversas agências especializadas e órgãos correlatos para a realização da promessa de avanços contida na Carta.
Em 1965 o Conselho de Segurança foi ampliado, passando dos 11 membros iniciais para os 15 atuais. Desde então, nenhuma modificação significativa foi introduzida nesse órgão, cuja composição e funcionamento ainda refletem a configuração política do mundo de 1945. Inércia e rivalidades regionais têm retardado uma reforma que o tornaria mais representativo e proporcionaria acesso mais amplo ao processo decisório multilateral.
Apesar de suas deficiências e falhas, as Nações Unidas constituem sem dúvida um êxito marcante em um mundo imperfeito. Sua longevidade, autoridade e vigor à respeitável idade de setenta anos acentuam sua importância não apenas para o bem-estar dos povos e a melhoria das condições de vida em toda parte, mas também para o aperfeiçoamento das relações entre os Estados. As Nações Unidas representam a melhor chance da humanidade para a realização de um mundo próspero, sustentável, justo e seguro para todos. Toda a comunidade internacional tem o dever de esforçar-se ao máximo a fim de tornar realidade os nobres ideais que presidiram a sua fundação.
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Sergio Duarte – Embaixador brasileiro, ex-Alto Representante das Nações Unidas para Assuntos de Desarmamento; ex-Presidente da Conferência das Partes do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares; ex-Presidente da Junta de Governadores da Agência Internacional de Energia Atômica.
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