(Português) Sobre o fim dos testes em animais e o envolvimento das empresas nas mudanças necessárias

ORIGINAL LANGUAGES, 3 Oct 2016

Amelia Gonzalez - ANDA Agência de Notícias de Direitos Animais

Divulgação

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29 de setembro de 2016 – Aconteceu em 2006. Assistindo a um seminário sobre propaganda e marketing com foco em sustentabilidade, ouvi o relato queixoso de alguém da plateia que levantou a mão para fazer uma denúncia.A pessoa acabara de descobrir que uma das empresas brasileiras mais cultuadas por seu envolvimento com as questões socioambientais fazia testes em animais.

É preciso deixar claro, aqui, que fazer teste em animais para produzir cosméticos e, ao mesmo tempo, defender a preservação das espécies e do meio ambiente é um paradoxo.

Saí do encontro e, já na redação de “O Globo”, onde na época eu exercia o cargo de editora do caderno “Razão Social” – focado no debate sobre temas ligados às questões socioeconômicas e ambientais -visitei o site da empresa. Estava lá, para quem quisesse ler, o aviso de que eles realmente ainda faziam testes em animais. Com uma ressalva importante: um forte investimento em pesquisa estaria prestes a solucionar o problema.

Meses depois, chegou a notícia de que a empresa tinha, de fato, conseguido se livrar dos testes em animais. O registro foi, legitimamente, feito em tom de comemoração.A tecnologia que custou tão caro conseguira criar pele humana em laboratório para não precisar de ratos, coelhos ou porquinhos da Índia.

Semana passada, recebi uma mensagem dessa mesma empresa comemorando décimo aniversário do tempo em que conseguiu se livrar de fazer testes em animais. E fui puxando o fio da memória.

A história das empresas de cosméticos que não fazem testes em animais começara há anos, encampada por Anita Roddick, empresária britânica que se inscreveu na pequena e seleta lista daqueles que, de fato, instalaram iniciativas para mostrar que é possível, pelo menos tentar um diálogo bem resolvido entre preservação e desenvolvimento. Em “Meu jeito de fazer negócios” (Ed. Negócio), escrito em 2002, numa espécie de autobiografia, Roddick diz que sua tarefa não foi fácil, conta os desafios que precisou enfrentar, sobretudo quando seus acionistas começaram a se rebelar contra a forma de ela administrar a empresa. E se declara contra o jeito usual de fazer negócios, atacando as grandes corporações.

“Se você notar como algumas empresas se comportam pelos quatro cantos do mundo – lugares que não são frequentados pelos que as comandam – constatará que elas estão aniquilando a humanidade de diversas maneiras… Enquanto empresas podem se deslocar de um país para outro, sem enfrentar restrições maiores, buscando salários menores, legislação ambiental mais concessiva e trabalhadores mais submissos e desesperados, a destruição das pessoas, culturas e ambientes pode ser enorme”, escreve ela.

A posição de Anita Roddick foi bem crítica desde sempre.E ela aponta a raiz do problema:

“Um dos maiores problemas do mundo dos negócios é que a ganância tornou-se culturalmente aceita. Existe uma conexão direta entre essa ganância, no momento em que ela se torna difundida na sociedade em geral, e alguns dos piores problemas sociais do cotidiano – por exemplo, quando crianças matam outras para roubar um par de tênis de marca”, escreveu ela.

Estávamos no início do século, época que foi marcada por uma esperança mundial de que as empresas, de fato, trocariam o “business as usual” por uma forma consciente de fazer negócios.Foi nesse período – 2003 – que comecei a editar o Razão Social e cheguei mais perto de algumas dessas corporações. Sem nenhum compromisso editorial acordado com elas, a revista noticiava os bons projetos que podiam, de fato, mudar a vida e a rotina de comunidades.A ideia, talvez mais inocente do que imaginávamos na época, era possibilitar que outras empresas lessem e copiassem os modelos adotados.

Fiz algumas entrevistas com CEOs que me contaram estar envolvidos com a causa. A proposta era sincera. Mas a intenção, muitas vezes, durava só até descobrirem que as boas iniciativas de responsabilidade social custavam dinheiro e traziam de volta apenas o lucro intangível, ou seja, boa imagem.

Milton Friedman, economista norte-americano morto em 2006, foi um dos primeiros a fazer essas contas. Publicou um artigo em 1970 no “The New York Times” com o seguinte título: “A responsabilidade social dos negócios é aumentar seus lucros”, em que declarou pouca paciência com os capitalistas que “alegam que o negócio não existe simplesmente para dar lucro, mas que deveria também promover o bem social e que o dono do negócio deve ter uma consciência social e levar a sério suas responsabilidades em prover emprego, eliminar a discriminação, evitar a poluição”.

Friedman ganhou o Prêmio Nobel de Economia, com adeptos e críticos à sua teoria. Entre os críticos estava John Mackey, CEO da Whole Foods que se auto descrevia como um empresário libertário. Mackey acreditava que a visão de Friedman era estreita e subestimava dimensão humanitária do capitalismo. Entre os correligionários que defendiam a mesma tese de Friedman, o CEO da Cypress, T.J.Rodgers, argumentava que “as empresas fazem mais se maximizarem os valores dados aos acionistas do que doando tempo e dinheiro para a caridade”.

Neste sentido, de fato os defensores da responsabilidade social corporativa acabaram perdendo terreno. Não demorou muito tempo para os cidadãos perceberem que a filantropia empresarial, que Rodgers chamava de caridade, podia ser uma forma de encobrir outras atitudes que nada tinham de responsáveis, quer seja com os funcionários como com o meio ambiente. Foi surgindo então a necessidade de as empresas terem negócios sustentáveis, o que significa ter muitos outros cuidados.

Essa história ainda não acabou, mas já amadureceu bastante desde que comecei a estudá-la, há mais de uma década. Anita Roddick recebeu vários prêmios em sua vida pela participação, como empresária, em causas socioambientais. Ela morreu em 2007, seis anos antes da proibição sobre a venda de cosméticos que tenham sido testados em animais ter entrado em vigor em toda a União Europeia.Mesmo as empresas transnacionais não podem vender lá seus produtos que foram testados em animais em outros países.

A causa animal é importante, sem dúvida alguma. Mas aqui eu a estou usando para contar parte de uma história sobre o envolvimento de corporações com uma ordem mundial que precisa sofrer mudanças.Quer seja para evitar que o aquecimento global exceda os 2 graus no fim do século, quer seja para tentar uma sociedade menos desigual ainda hoje ou amanhã, fato é que as empresas precisam estar envolvidas.Uma produção industrial menos gananciosa é um dos pilares das modificações que precisam ser feitas.

Antes de morrer, aos 64 anos, Anita Roddick vendeu sua empresa para outra, que não tinha boa reputação no quesito cuidados com o ambiente.Em entrevista ao jornal britânico “The Guardian”, a empresária deixou a entender que vendera sua empresa para empoderar mais a Fundação Roddick, criada por ela para alimentar as causas sociais que apoiava. Outro motivo para a venda, que frustrou muita gente, parece ter sido o fato de Anita não ter mais o controle total da Body&Shop depois que ela ficou muito grande. E os acionistas estariam reclamando porque tinham que dar parte de seu capital para os projetos socioambientais da principal proprietária.

É só uma história. Como eu disse, ainda sem fim.

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Fonte: G1

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