(Português) Dois anos depois, Congresso conclui o plano das elites ao proteger Temer: terminou a sangria

ORIGINAL LANGUAGES, 7 Aug 2017

Glenn Greenwald – The Intercept

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3 Agosto 2017 – Há pouco menos de um ano, um dos espetáculos políticos mais humilhantes que eu já vi aconteceu durante nove horas em Brasília. Na Câmara dos Deputados – casa cuja maioria dos membros estão envolvidos em investigações – um corrupto atrás do outro se postou diante das câmeras de televisão e declararam triunfalmente que sua consciência, sua religião, seu Deus, suas crianças, sua devoção a Jerusalém, a memória de suas mães, seus pastores, a pureza de suas almas, exigiam que eles punissem a corrupção retirando a Presidente eleita Dilma Rousseff de seu cargo.

Photo: Folhapress

Imagine a caricatura mais grosseira de um moralista em sua exuberante hipocrisia – um sacerdote que deixa a orgia semanal no prostíbulo de fé para ir diretamente à missa de domingo, ralhar contra os pecadores levantados do inferno – e você terá uma justa imagem da maioria dos que se pavoneavam ao púlpito naquele dia. O sebo que sai dos seus poros é palpável. Esses são os homens que anularam uma eleição nacional e agora governam o quinto país mais populoso do planeta.

Photo: Eraldo Peres/AP

Com um significado simbólico que não poderia ser imaginado por qualquer roteirista de cinema, aquele festival vulgar foi presidido pelo deputado Eduardo Cunha, um chefe de quadrilha do crime organizado atuando como legislador. Logo depois de ter planejado a queda de Dilma – que as elites da mídia nacional se unificaram para dizer que era baseada em uma legítima preocupação com a corrupção – Cunha foi preso, acusado de suborno, lavagem de dinheiro, intimidação de testemunhas e crime organizado.

Em resumo, a classe política e os barões da mídia – a nata da corrupção – destruíram o país, efetiva e deliberadamente revertendo o resultado das urnas de 2014, insistindo que sua alta ética e o solene respeito pela lei não tolerava os artifícios econômicos banais que Dilma empregou para fazer a economia parecer mais forte do que realmente era. Não existem palavras para descrever a envergadura da fraude que foi todo aquele espetáculo.

Mas agora – precisamente ontem – eles mesmos deixaram clara a verdadeira natureza de seus atos e seu caráter. A pessoa que eles promoveram para governar o país, o Vice-Presidente Michel Temer – um tecnocrata de carreira medíocre – está se afogando em escândalos de corrupção desde que assumiu. Há dois meses foram reveladas gravações de Temer endossando pagamentos de propina, feitos pelo magnata dos frigoríficos Joesley Batista, a inúmeras testemunhas, incluindo seu colega de legenda Eduardo Cunha, para comprar seu silêncio.

Pense sobre isso: no país que fingiu estar tão moralmente ofendido pela manobra orçamentária de Dilma que precisou simplesmente derrubá-la do cargo, todos puderam escutar o Presidente empossado aprovando o pagamento de propinas para garantir o silêncio de testemunhas. As gravações foram reproduzidas na televisão.

Todos escutaram Temer, em sua própria voz, há poucas semanas, participando em crimes flagrantes. Ele foi imediatamente indiciado por Rodrigo Janot, Procurador da República, tornando-se o primeiro Presidente a ser formalmente denunciado por crimes comuns no exercício do mandato.

Um mês depois, surgiram evidencias de que Temer recebeu pessoalmente fartas propinas, com a revelação de um vídeo onde um de seus aliados mais próximos corre com uma mala cheia de dinheiro, após Temer determinar o pagamento de propinas. Como pode um país – em especial onde a elite passou um ano fingindo estar escandalizada com pequenas manobras orçamentárias – continuar sendo liderado por alguém que foi visto e ouvido recebendo propinas e silenciando testemunhas?

Em Brasília, tudo é possível. Ontem, a mesma Câmara dos Deputados que no ano passado votou pelo impeachment de Dilma, teve que decidir se suspendia Temer e o levava a julgamento por corrupção. Por um placar de 263 a 227 votos, os deputados se recusaram a fazê-lo, assegurando que Temer permaneça no poder. A votação de ontem foi presidida pelo sucessor de Cunha, o deputado Rodrigo Maia, do DEM (Democratas); Maia, é claro, está fortemente envolvido nas investigações sobre a corrupção no país.

Os mesmos pomposos deputados de direita e de centro que doze meses atrás se disfarçaram, sem nenhum pudor, com os trajes da ética, da religião e da moralidade se juntaram para garantir que seu criminoso de estimação, que governa o país, não sofra qualquer consequência. Agora ele não poderá sofrer as acusações até que deixe o cargo.

Com um simbolismo quase tão potente quanto o de Cunha presidindo o impeachment de Dilma, os votos dos deputados foram comprados por Temer usando dinheiro público. O Presidente passou os últimos dois meses fisgando, um a um, os deputados para dentro do Jaburu para dar-lhes um banho de generosidade até que eles aceitassem bloquear qualquer investigação. Este é o homem para quem as elites da mídia, em nome da luta contra a corrupção, conscientemente deram o poder. A piada é tão clara quanto trágica.

Diferentemente do que aconteceu no ano passado, quando queriam ser o centro das atenções, dessa vez eles correram como baratas para se esconder sob os armários da cozinha. Sabendo que quase todo o país (com exceção das oligarquias) odeia Temer e quer que ele caia – ele tem literalmente 5% de aprovação – a maior parte dos deputados fez sua sujeira da maneira mais envergonhada e furtiva possível. Poucos se dispuseram a falar em defesa de Temer. Rastejavam ao microfone quando seus nomes eram chamados e davam seu voto de propina com a maior discrição possível.

Além de mostrar ao mundo a metástase que continua crescendo no coração da classe política brasileira – que tipo de elite política decide deixar no cargo um Presidente flagrado em gravações aprovando propinas? – a votação de ontem derrubou de uma vez por todas as máscaras dos reais motivos pelos quais Dilma foi afastada.

Ao contrário do roteiro enganoso criado e disseminado pelos bem-pagos propagandistas da elite da mídia, o impeachment tinha dois, e apenas dois, motivos: 1) proteger a classe política das investigações sobre a corrupção através do empoderamento das figuras mais corruptas, permitindo que eles estancassem a investigação, e 2) servir aos interesses dos plutocratas domésticos e dos financistas internacionais, “reformando” programas sociais voltados aos mais pobres em nome da “austeridade”.

O aspecto mais marcante dos últimos dois dramáticos anos na política é que o áudio de Jucá – outro dos aliados mais próximos de Temer – no qual ele descreve claramente os reais motivos e objetivos do afastamento de Dilma, foi revelado em meio à crise do impeachment. Remover Dilma, disse Jucá pensando que falava em segredo, permitiria um “pacto nacional” – endossado pelo STF, a mídia corporativa e os militares – através do qual a investigação seria liquidada, e o país poderia seguir em frente.

Depois da revelação desta gravação comprometedora, Jucá teve que renunciar ao Ministério do Planejamento, que havia recebido de Temer; mas sua renúncia tece curta duração, porque todos – juízes, generais, e apresentadores dos telejornais – sabiam que o enredo que ele descreveu realmente era aquele que todos haviam assinado quando removeram Dilma. Logo depois, Jucá se tornou o líder do governo de Temer no Senado. E o enredo que ele descreveu tão perfeitamente – para liquidar as investigações e proteger e dar poder aos criminosos – tinha sido seguido à risca, culminando na votação de ontem para proteger o Criminoso Supremo.

Alguns meses atrás, o mesmo congresso que fingiu indignação com a manobra orçamentária de Dilma aprovou leis para enfraquecer as investigações sobre a corrupção, e agora há rumores de que políticos corruptos poderão processar o Procurador que os indiciou. Exatamente como nos Estados Unidos – onde as únicas pessoas que vão para a prisão por crimes de guerra são aquelas que os expõem – com raras exceções, as únicas pessoas que pagarão um preço pela corrupção sistêmica do Brasil são aqueles que a expuseram. Esse era o esquema em todo o percurso da remoção de Dilma, e ninguém sequer se incomoda em negar. Como podem?

Mas o prêmio maior de tudo isso – como sempre – é a recompensa aos oligarcas e a punição aos mais pobres do país. Em uma admissão notável literalmente ignorada pela mídia brasileira corporativa, Temer foi a Nova York em setembro e, falando a um grupo de investidores e a elite da política estrangeira, explicitamente admitiu que o motivo real do impeachment de Dilma foi sua resistência em aplicar uma maior austeridade.

Toda vez que Temer parece estar em risco, a moeda brasileira e o mercado de ações são punidos; quando parece que ele sobreviverá, eles se fortalecem. Isso é porque ele é o instrumento da austeridade. O Ministro da Fazenda de Temer não desperdiçou tempo depois da votação para anunciar que as “reformas” de austeridade que eles estão desesperados para impor serão novamente apresentadas, agora que Temer está a salvo.

Temer é a cria da classe oligárquica brasileira e sua mídia dominada. Ela esteve tão dedicada ao seu empoderamento – e também à coalização de direita que perdeu múltiplas eleições mas, apesar disso, magicamente passou a governar o país através de Temer – que uma de suas mais brilhantes estrelas, Eliane Cantanhêde, igualou a oposição a Temer à traição ao país, dizendo que “o esforço para derrubar Temer, neste momento, é trabalhar contra o Brasil”.

Em certo sentido, há uma justiça do karma aqui: o Brasil tem a classe política, e seus líderes corruptos e manchados, que refletem perfeitamente o caráter da elite oligárquica que governou o país com punhos de ferro por décadas.

Mas em um sentido muito mais profundo, o que eles fizeram é uma tragédia difícil de engolir: milhões de seres humanos, nascidos em uma sociedade terrivelmente estratificada, que não tiveram qualquer perspectiva por gerações, finalmente tiveram, durante a última década, um lampejo de esperança, para agora vê-la sendo engolida e extinta pela mesma classe dominante de ladrões e mentirosos, os únicos responsáveis pela eterna situação de desigualdade e miséria para a maioria.

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Glenn Greenwaldglenn.greenwald@​theintercept.com

 

 

 

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