(Português) Lori Gruen: “Os animais devem ter direitos?”
ORIGINAL LANGUAGES, 25 Dec 2017
“O fato é que nos concentrarmos na quantidade de animais que são parecidos conosco nos obriga a assimilá-los em nossa estrutura orientada ao ser humano”.
22 dez 2017 – Lori Gruen é uma professora de filosofia e escritora que nas últimas décadas tem se dedicado à ética animal. Em 1987, ela coescreveu o livro “Animal Liberation”: A Graphic Guide”, em parceria com Peter Singer e David Hine; depois vieram outros. Atualmente ela coordena estudos ambientais e animais na Wesleyan University, de Connecticut. Lori já contribuiu com outros importantes nomes na discussão sobre os direitos animais nos Estados Unidos, como Raymond Frey, Steve Sapontzis e Marc Bekoff.
Em 2014, levando em conta a controvérsia sobre um caso do Nonhuman Rights Project, que defendia os direitos de quatro chimpanzés que viviam em Nova York, buscando reconhecê-los como indivíduos, Lori Gruen escreveu um artigo intitulado “Should animals have rights?”, ou seja, “Animais devem ter direitos?”, que mesmo após alguns anos ainda propõe uma discussão cada vez mais atual.
De acordo com a professora de filosofia, o debate sobre direitos a animais não humanos sempre vem acompanhado de “piadas” por parte de quem considera um absurdo que outros animais tenham direitos. Por outro lado, há também muitos seres humanos que consideram a resposta para essa questão como bastante óbvia, apontando que é claro que eles devem ter direitos morais. “Afinal, somos animais e muitos de nós amamos, apreciamos e respeitamos não humanos, então por que eles não têm direitos? Não acho a questão totalmente absurda, mas tenho uma preocupação quando falamos em ‘direitos’”, destaca.
A questão é que quando fala-se em atribuição de direitos não se pode esquecer que essas atribuições são feitas por aqueles que estão no poder, ou seja, no comando dessas decisões. Sendo assim, dar ou não direito a alguém vai depender sempre da assimilação que é feita em relação ao assunto. Para Lori Gruen, os argumentos para incluir mais do que seres humanos nas deliberações éticas que podem qualificar outros animais como portadores de direitos dependem sempre de uma preocupação ética que não pode se restringir a quem ocupa o centro moral. Ou seja, o ser humano, neste caso, pode reconhecer direitos que não são os seus se for capaz de observar o outro fora de um escopo de conveniência, com uma percepção amplamente moral e ética.
“Historicamente, nos Estados unidos e na Europa, por exemplo, temos visto homens brancos e cristão estendendo direitos a homens não cristãos e não brancos, e depois às mulheres. À medida que o círculo de detentores de direitos cresce, o ideal é que toda a humanidade seja incluída independente de raça, nacionalidade ou expressão de gênero”, destaca. Porém, Lori faz a seguinte pergunta: “Se podemos ir além da nossa espécie, por que não fazer isso?”, em referência ao preconceito baseado em espécie.
A professora de filosofia cita estudiosos e ativistas que têm tentado combater o que é alternativamente chamado de “especismo”, “humanormatividade” e “excepcionalismo humano”. De que forma isso tem sido feito? Um método bastante usual é a apresentação de trabalhos empíricos que provam que há outros animais que são realmente semelhantes a nós e, portanto, merecem direitos. Pesquisas etiológicas e cognitivas que endossam nossas semelhanças com outras espécies facilitam a aceitação de outros animais em nosso círculo moral por meio do reconhecimento de que eles também possuem características que admiramos em nós, logo atribuímos valor. Assim surge a defesa de que devemos valorizar e admirar aquelas qualidades independente do corpo que as transportam.
Hoje em dia, não são raras as pesquisas que mostram que muitos outros animais têm ricas relações sociais; sacrificam a própria segurança para ficarem próximos de seus familiares doentes ou feridos. Há muitos seres não humanos que se preocupam em não deixar os seus desamparados, mesmo diante da morte.
“Eles ficam enlutados, têm respostas ao estado emocional dos outros, se envolvem em comportamentos regidos por normas, são capazes de manipular e enganar, compreendem representações simbólicas e transmitem cultura”, cita Lori Gruen. De acordo com o artigo “Os Animais Devem Ter Direitos?”, pesquisas com chimpanzés e bonobos sugerem que eles têm um sendo distinto de si mesmos, e se entendem como alguém com interesses que se estendem ao longo do tempo. Essa capacidade de se reconhecer como alguém com um passado e um futuro foi definida há muito tempo por John Locke como as características que caracterizam alguém como uma pessoa.
Lori exemplifica que no sistema legal os chimpanzés não são considerados pessoas, assim como nenhum outro animal; logo não são reconhecidos como portadores de direitos. Em vez disso, são classificados como propriedades. O próprio sistema jurídico facilita essa atribuição, já que legalmente só contamos com duas categorias para distinção entre seres. Ou seja, pessoa ou propriedade. “É compreensível em um contexto legal que, como os chimpanzés possuem capacidades semelhantes às pessoas humanas, eles devem ter certos direitos”, defende. Em linhas gerais, a autora define os direitos como reivindicações que fazemos uns aos outros para garantirmos que não sejamos prejudicados ou violados:
“O nosso sistema legal pode ser estruturado de forma a vermos os detentores de direitos em desacordo uns com os outros, mas essa é uma visão bastante sombria de como interagimos uns com os outros em nossas comunidades. Na verdade, esse quadro, no qual temos que nos proteger dos outros, pode servir para reforçar uma visão relativamente obscura de nossos relacionamentos uns com os outros e com os animais. Acabamos focados no que podemos extrair uns dos outros ou como podemos proteger o que temos, ao invés de nos concentrarmos em como podemos trabalhar juntos para melhorar a vida uns dos outros.”
A prioridade deveria ser o que devemos não apenas aos nossos semelhantes, mas também aos outros animais. Se a preocupação central fosse essa, colocaríamos em evidência as nossas relações não estritamente humanas e poderíamos obter melhores resultados no que diz respeito à vida em sociedade e a maneira como interagimos com outras espécies. Com esse pensamento, teríamos mais chances de desenvolver preocupações éticas que envolvem, de fato, o nosso papel enquanto seres conscientes e racionais que promovem ou dificultam o verdadeiro bem-estar dos animais.
Lori aponta que quase todas as nossas ações e decisões afetam outros animais de diversas maneiras: “Se eles vivem ou morrem, se suas descendências têm algum futuro, se os seus habitats continuarão a existir, depende do que compramos, do que comemos e em quem votamos. Ninguém quer estar em um relacionamento ‘ruim’, então pensar sobre a maneira como nos relacionamos com outros animais e o que devemos a eles pode ajudar a melhorar essa relação. A abordagem dos direitos também tende a valorizar semelhanças e ignorar diferenças importantes que podem nos ajudar a repensar sobre quem é valioso e por quê.”
A professora de filosofia crê que quando nos limitamos a procurar semelhanças, no que diz respeito à Inteligência ou habilidades cognitivas, incorremos no erro de obscurecer aspectos distintamente valiosos da vida daqueles que nos são diferentes. Então ela questiona o que isso significa para os animais, seres humanos e não humanos, que são menos inteligentes ou cujas capacidades cognitivas são completamente diferentes das nossas.
O fato é que nos concentrarmos na quantidade de animais que são parecidos conosco nos obriga a assimilá-los em nossa estrutura orientada ao ser humano. Ou seja, concedemos consideração com base no que acreditamos que eles compartilham conosco. Consequentemente, ignorando o que faz de fato suas vidas serem significativas e valiosas por suas próprias razões. Segundo Lori Gruen, por meio do nosso olhar orientado para humanos, reconfiguramos um dualismo ou, na melhor das hipóteses, uma hierarquia que, inevitavelmente, encontrará um “outro” para excluir ou marginalizar. Ou seja, normalmente aqueles que são realmente diferentes dos que qualificamos como “fisicamente e mentalmente aptos”.
Há que se ter sempre um cuidado em relação à concepção de “direitos”, porque às vezes quando julgamos estarmos construindo algo podemos estar beneficiando alguns enquanto rejeitamos muitos outros: “[…] Podemos considerar o que é ser um chimpanzé, uma galinha ou uma criança com uma deficiência cognitiva em suas relações únicas com os outros. Ao imaginar seus mundos a partir de suas perspectivas, podemos ver que o bem-estar geral pode ser promovido de diferentes formas, mas o bem-estar de um não é menos valioso do que o de outro apenas porque são diferentes.”
Saiba Mais
Lori Gruen se dedica à teoria à prática ética como foco particular em questões que envolvem animais humanos e também animais não humanos. Ela já publicou livros sobre a questão animal e o ecofeminismo. Em 1994, lançou o livro “Reflecting on Nature: Readings in Environmental Ethics and Philosophy”, em parceria com Dale Jamieson; “Ethics and Animals: An Introduction”, de 2011; “The Ethics of Captivity”, de 2014; e “Entangled Empathy: An Alternative Ethic for Our Relationships with Animals”, de 2015; além de outros.
Referência:
Lori Gruen, Should Animals Have Rights? The Dodo (2014)
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David Arioch é jornalista, pesquisador e documentarista. Trabalha profissionalmente há dez anos com jornalismo cultural e literário.
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