(Português) Provocações Geopolíticas para 2019

ORIGINAL LANGUAGES, 4 Feb 2019

Juan Eugenio Corradi | Opinion Sur – TRANSCEND Media Service

31 jan 2019 – As seguintes opiniões constituem seu próprio resumo. Sua lição combinada é: a velha ordem se está desmoronando e não há uma nova ordem – só uma série de reações paradoxais e contraproducentes sem estratégias claras. É hora de se pôr criativo.

É comum que as pessoas comecem o mês de janeiro com uma ou mais das “resoluções de ano novo”. Eu começo com um grupo de enunciados que buscam causar um pouco de agitação e em seguida reiniciar nossas ideias e ações – um pouco como um desfibrilador cardíaco. As proposições geopolíticas que seguem não são predições nem são o resultado de pesquisas, nem sequer são hipóteses de trabalho. São só provocações desenhadas para disparar pensamentos, discussões e um chamado para propostas alternativas. Se só a metade delas fosse razoável e ressoasse aos nossos leitores, então, o que deveria seguir seria uma série de respostas igualmente provocadoras à pergunta existencial: o que fazer?

Um nova guerra fria?

Há um inegável recrudescimento à rivalidade entre a China e os Estados Unidos. Sob a liderança intermitente do governo Trump, os Estados Unidos abriram novas hostilidades. Em que pese as provocações estadunidenses, envoltas na usual propaganda de simulada vitimização, a China parece recatada. Dado que se necessitam dois para bailar um tango, e a China se recusa a cooperar, uma simétrica Guerra Fria não terá lugar.

A agressão estadunidense está enviesada sob a errônea suposição que uma corrida armamentista com a China levará a um colapso similar ao colapso da anterior União Soviética. De fato, o oposto é certo. O rearmamento moderno da China não está pensado em conseguir paridade com o enorme poderio militar dos Estados Unidos, mas estabelecer uma crível dissuasão regional em sua própria vizinhança, tanto como negar aos Estados Unidos o acesso a sua periferia. Está focalizado e é medianamente razoável. Em síntese, a estratégia da China é formidável e decididamente assimétrica. Por outro lado, a modernização da capacidade de ataque nuclear estadunidense e o grande aumento nas forças navais, bem poderiam levar os Estados Unidos a descuidar das mais importantes e, em última instância, mais estratégicos investimentos e desenvolvimento, infraestrutura e reforma social interna, então, ao final, as bases sociais e econômicas do poderia estadunidense resultariam diminuídas. Os estadunidenses construíram um muro perimetral; os chineses construíram trens rápidos. Em uma corrida armamentista geral do estilo guerra fria, os Estados Unidos arriscam ser explodidos pelos ares com seus próprios petardos.

O efeito Trump

O senhor Trump acelerou a deterioração estadunidense de duas maneiras: rasgou o véu dos valores liberais estadunidenses e, por fim, debilitou seu “poder brando” e proclamou a superioridade estadunidense em um momento em que os Estados Unidos está perdendo sua dominância e deveria estar manejando-a de uma forma mais “maquiavélica”. Os Estados Unidos reclamarão “vitórias” a torto a direito, justo como se estivessem ganhando um par de mãos no pôquer. Não obstante, os chineses são especialistas em outro jogo, o Go, ao final do qual podem surgir dominantes.

As debilidades e os ativos estratégicos da China

Se e quando os chineses cometam erros estratégicos, será devido ao trajeto de dependência. A expansão chinesa urbi et orbi, mas principalmente na Ásia Central e na África, está baseada em muito concretos interesses e não em intentos “civilizatórios”, como no modelo ocidental. Este modelo diferente é tão velho como a civilização chinesa e está baseado em um imperialismo de tributo. Isto o torna rígido e quebradiço. Mais ainda, os chineses não entendem o estilo teatral estadunidense ao reafirmar seu domínio. Por isso, inicialmente não respondem às provocações – até que caiam mal, ponto em que podem chegar a responder de maneira massiva. Há um limite para a paciência estratégica quando se tem um touro em uma loja de porcelana chinesa (jogo de palavras intencional em inglês, “when you have a bull in a china shop”).

O êxito final da China depende de sua habilidade para construir constantemente novas alianças reais e em sua habilidade para elaborar ajustes financeiros que fazem bypass no domínio do dólar e das instituições financeiras estadunidenses.

Há mais. Em um período quando muitos países estão preocupados com o fluxo de imigrantes e refugiados, poucos se deram conta do poderoso ativo estratégico da China: sua extensiva e formidável diáspora que já está instalada de maneiras significativas por todo o planeta.

A guerra comercial

Esta “guerra” pelo outro lado está em pleno desenvolvimento. Na superfície, é uma (relativamente contida) guerra de tarifas por represálias. Há quatro resultados lógicos no novo enfoque mercantilista estadunidense e na (até o momento medida e moderada) resposta chinesa: um resultado ganha/perde favorável para a China; um resultado ganha/perde favorável para os Estados Unidos; um empate; ou um perde/perde para ambos – e para os outros comerciantes também. É uma disrupção, mas também uma distração. Seguindo os muitos argumentos e opiniões sobre o tema, minha conclusão é: a sequência será, primeiro, um empate, logo uma vantagem para a China e finalmente o crescente isolamento “autárquico” dos Estados Unidos.

Alianças e dependências

A ordem internacional posterior à Segunda Guerrra Mundial está acabado. A supremacia estadunidense da pós-Guerra Fria também está acabada. O que parece que está tomando seu lugar é a) uma retirada belicista estadunidense; b) uma reafirmação agressiva do poder russo, até agora limitada a suas incursões em sua “vizinhança” e o Oriente Médio; c) a fragmentação nacionalista da Europa e o possível final da União Europeia; d) uma afirmação agressiva do poder militar regional da China; e) a emergência significativa de investimentos de capital direto da China com um ambicioso alcance de desenvolvimento mais além de suas fronteiras e de sua periferia imediata, e f) a formação de novas e promissoras alianças nas costas do Pacífico. A retirada dos Estados Unidos da Europa e do Oriente Médio, ainda que em tempo, está sendo pobremente executado e até agora ascendeu para ser uma mera cuspida na própria cara. O ataque estadunidense ao multilateralismo é tanto torpe como contraproducente. É desnecessário e, por fim, é um erro estratégico.

A Europa pós-Brexit

O Brexit não é uma preocupação para o mundo em que pese a desproporcional atenção que recebeu. Passou muito tempo desde que os desenvolvimentos no Reino Unido tiveram importantes repercussões em outras esquinas do planeta. Ao final, o Brexit será recordado na histórica como uma ferida auto infligida por uma potência secundária. A resiliência britânica é legendária, portanto, o reino sobreviverá à atual loucura, mas provavelmente feito migalhas. É um pouco triste. Os ingleses recordam com orgulho que eles sobreviveram ao Blitzkrieg[1].- mas se esquecem que ninguém votou por Blitz.

De outro lado, a Europa que o Reino Unido está deixando está longe de estar sã. A mobilização daqueles que temem ser deixados de lado com a globalização resultou em uma série de governos nacionalistas que buscam reconquistar passadas soberanias nacionais diante de grandes transformações geopolíticas. Mas uma internacional de nacionalistas é um oximoro contraproducente.

O destino da Europa

Se a Europa tem algum papel para desempenhar no mundo do século XXI é através da unidade e vontade coletivas. Por outro lado, uma Europa de países nacionalistas separados está na lista para ser absorvida por potências estrangeiras. Há uma velha advertência do poema argentino Martin Fierro: “Los hermanos sean unidos porque ésa es la ley primera –tengan unión verdadera en cualquier tiempo que sea, porque, si entre ellos pelean, los devoran los de ajuera.” (Nota da tradutora: “Os irmãos se unam porque essa é a lei primeira – tenham união verdadeira em qualquer tempo que seja, porque, se entre eles peleiam, lhes devoram os de fora”) Em sua forma mais benigna, tal fragmentação ascenderá a uma coleção de sociedades mais ou menos congeladas como diferentes salas de um museu.

A Europa será boa como destino turístico e má para o mundo. Veja-se um encarte de Veneza e se verá uma imagem do futuro da Europa. O dilema da população europeia é o seguinte: o intolerável (demasiados migrantes) impede o indispensável (a imigração seletiva). Em outras palavras, para ser historicamente viável, as sociedades que envelhecem necessitam de imigrantes. Mas a massiva entrada ou a ameaça de incontroláveis imigração e refugiados os faz fechar-se como uma amêndoa. O resultado é uma paralisia: o rechaço a fazer história. Se têm sorte, os europeus terão uma solução intermediária. Em vez de habitantes dinâmicos e sem permitir migrantes, terão visitantes e aqueles que estão dentro ganharão a vida atendendo a esses visitantes. Haverá diversidade (nacionalismos) em uma Disneylândia de lugares de alojamento. Os estadunidenses têm um modelo em escala reduzida do futuro europeu: as aldeias turísticas de Sturbridge e Williamsburg.

Sobre a América Latina

A atual corrente de regimes de direita pró-Estados Unidos na América Latina – desafortunadamente – reforçará a irrelevância geoestratégica da região. A onda direitista na América do Sul talvez tenha alcançado seu ponto máximo com a eleição de um governo surrealista em um país maior. Nos comina a seguir e comparar o desenvolvimento dos eventos no México e no Brasil. É possível que o Mercosul que nunca funcionou seja substituído por diferentes acordos bilaterais especialmente entre a Argentina e Brasil e novos blocos centrados no Pacífico crescerão e prosperarão. Os aspectos folclóricos neofascistas do novo regime brasileiro são contraditórios e insustentáveis, ainda que não possamos excluir alguns positivos, ainda que não queridos efeitos secundários. O que segue pe uma sequência metafórica de eventos em um nível ideológico e geopolítico.

Ontem, hoje e amanhã

Sopesem os seguintes enunciados do século XX, do século XXi e desde os tempos bíblicos.

1935: Hino alemão: “Deutschland Deutschland uber Alles” (Alemanha, Alemanha antes de tudo, mais que tudo neste mundo)

1945: Enunciado dos Aliados: “A capitulação da Alemanha deve ser registrada em um único documento de rendição incondicional”. O Reich de mil anos durou doze.

Irvin Berlin: “Deus abençoe a América”.

Donald J. Trump: “A América primeiro”.

Jair Bolsonaro: “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”. Mas…

O segundo mandamento diz: “Não tomar o nome de Deus em vão”. Então…

A conclusão vem de Macunaíma (romance brasileiro por Mário de Andrade): “Cada um por si e Deus contra todos”.

Em termos teológicos: eles poderão crer em Deus, mas Deus não crê neles.

Em outros termos (seculares): a fé e os contos de fadas são pobres substitutos de boa governança e administração racional. A onda direitista não tem um futuro brilhante.

Brasil e Argentina gostam de pensarem-se como países do futuro. À atual taxa e com as presentes políticas, sempre serão países do futuro, como foi previsto por Charles De Gaulle em 1964.

Estados Unidos, Rússia e Oriente Médio

Os Estados Unidos sob Trump decidiram sair do lodaçal de sua própria criação. A Rússia preencherá o conseguinte vazio de poder. A pergunta é: será melhor para eles ou terão recebido um presente envenenado?

Trump está certo em algo?

Quanto a várias questões estratégicas, as declarações do presidente Trump parecem atinadas, notavelmente: a debilidade, senão a irrelevância da OTAN e a necessidade de abandonar o Oriente Médio. O problema com seus enunciados corretos é isto: um relógio descompassado marca a hora exata duas vezes ao dia.

Quem prevalecerá?

O êxito final das potências mundiais em um grande jogo mundial depende da capacidade de evitar distrações geoestratégicas. De nenhuma maneira está garantida, mas os asiáticos possuem a necessária paciência estratégica.

[1] . A Blitzkrieg (em alemão, literalmente “guerra relâmpago”) é um nome popular para uma tática militar de ataque que implica um bombardeio inicial, seguido de uso de forças móveis atacando com velocidade e surpresa para impedir que o inimigo possa levar a cabo uma defesa coerente. Os princípios básicos destes tipos de operações se desenvolvem em um século XX por várias nações, e se adaptaram anos depois da Primeira Guerra Mundial, principalmente pela Wehrmacht, para incorporar armas e veículos modernos como um método para evitar a guerra de trincheiras e a guerra em frentes fixas em futuros conflitos.

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Opinión Sur é uma publicação eletrônica e gratuita dedicada a apresentar idéias e propostas de ação que contribuam para o melhor desenvolvimento dos países do Hemisfério Sul. É voltada para duas áreas que interagem: (i) o desenvolvimento local e a luta contra a pobreza, e (ii) o impacto na região dos grandes processos geopolíticos. Trabalha-se a parir de uma visão independente, sem tendência partidária, com enfoque pluralista, e procurando encaminhar o pensamento estratégico para as iniciativas de desenvolvimento. Opinión Sur espande-se à medida que mais pessoas, a maioria delas apontadas pelos leitores habituais, solicitam sua recepção.A revista é editada em Buenos Aires e Nova Iorque.

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