(Português) Grave Risco para a Terra e a Vida: “A Grande Retomada do Capitalismo” (Great Reset)

ORIGINAL LANGUAGES, 24 May 2021

Leonardo Boff | Opinion Sur – TRANSCEND Media Service

16 maio 2021 – Está havendo em todo mundo um grande debate sobre que mundo virá na pós-pandemia.

São muitas as projeções, algumas otimistas, no pressuposto de que a humanidade tenha aprendido a lição do Covid-19: desenvolver uma relação amigável para com a natureza; as sociedades deverão superar as profundas desigualdades atuais, na linha da encíclica do Papa Francisco na Fratelli tutti; todos se sintam irmãos e irmãs, também com os seres da natureza, e não seus donos e senhores, caso contrário ninguém se salvará (Ft n.32).

O que entretanto causa grave preocupação é a assim chamada “A Grande Reinicialização” (Great Reset),em nosso dialeto,“A Grande Retomada” da ordem capitalista mundial. Essa expressão foi sugerida pelo príncipe Charles juntamente com o Coordenador do Forum Econômico Mundial, Klaus Schwab. Esta ordem é urdida por aqueles que o relatório da OXFAM “Tempo de Cuidar”, (ONG inglesa que mede os níveis de riqueza e de pobreza no mundo), aponta, os poucos miliardários. Segundo aquela fonte, em 2019 havia cerca de 2.153 indivíduos que detinham mais riqueza que 4,6 bilhões de pessoas. O 1% deste grupo detém mais que o dobro da riqueza de 6.9 bilhões de pessoas. Com a pandemia ficaram ainda mais ricos. Só estes dados revelam uma economia gravemente doente e nada saudável, um vírus letal para milhões e milhos.

FILE PHOTO. © Getty Images / Fortgens Photography

Este grupo de miliardários, como aparece claramente nas sugestões do Forum Econômico Mundial de 21-24 de janeiro de 2020 (o próximo será em agosto de 2021 em Singapura) projeta uma Nova Ordem Mundial. Klaus Schwab, o fundador e coordenador do FEM, junto com o economista Terry Malleret diz em seu livro Covid-19 the Grat Reset:”A pandemia representa uma rara janela de oportunidade para refletir, reimaginar e resetar o mundo”.

Se bem reparamos, temos a ver com uma proposta corporativista, um capitalismo dos grupos de interesse (Stakeholder Capitalism) que não contempla as grandes maiorias da humanidade. Elas estão fora de seu radar. Serão participantes somente os que se encontram dentro da bolha da ordem do capital. As sete temáticas são até auspiciosas: como salvar o planeta, economias mais justas, tecnologias para o bem entre outras. Entretanto quando se elencam os riscos globais, citam-se a guerra acidental, levante anárquico, exploração das mentes, controle neuroquímico e armas nucleares de pequeno porte e outros.

Aparentam até sensibilidade social como estabelecer a sonhada “renda mínima universal”, garantir a assistência médica global, assegurar um futuro resiliente, igualitário e sustentável e buscar um novo contrato social mundial. Mas, por outro lado, tomados de medo das reações pelo mundo afora contra um novo despotismo cibernético imposto por eles, sugerem o Score Social uma estratégia centralizada de policiamento comportamental dos indivíduos e de todas as sociedades através do uso intensivo da inteligência artificial. Seria o capitalismo de vigilância.

São belas palavras, mas apenas palavras. Não se fala nunca de mudar o paradigma devastador dos bens e serviços da natureza, esse que provou a intrusão de uma gama de vírus e agora o letal Covid-19; não se questiona o DNA do capital que sempre quer crescer e lucrar por todos os meios possíveis. Não refere a Sobrecarga da Terra (The Earth Overshoot) vale dizer, o esgotamento dos “recursos” naturais para a nossa subsistência. Da mesma forma, não tomam consciência das nove fronteiras planetárias (Nine Planet Bounderies) que de forma nenhuma podem ser ultrapassadas ao risco de colapsar nossa civilização.

Coisa perigossísima: a Grande Retomada não exclui a guerra como meio econômico, geoestratégico e de enfrentamento violento, sabendo-se que uma guerra hoje em dia pode pôr fim à espécie humana, especialmente se for a partir da Ucrânia, o ponto hoje mais sensível de enfrentamento com a Rússia. Esta pode destruir a Europa em poucos minutos. O Forum apenas visa a limar os dentes do leão, mas não tirar-lhe a voracidade. No máximo chega a um capitalismo verde, onde o verde disfarça a dinâmica acumuladora e excludente do sistema do capital que fica intocável.

Somos da opinião de que essa Grande Reinicialização (Great Reset) não vai prosperar pelo simples fato de que a Terra-Gaia chegou aos limites de sua sustentabilidade; não aguenta mais a rapinagem da ordem do capital em benefício de uns poucos jogando bilhões na miséria e na fome. Como epidemiologistas já aventaram: se não mudarmos nosso tipo de relação devastadora para com a natureza, esta nos enviará vírus ainda mais letais que poderão dizimar grande parte da humanidade.

Tudo poderia ser diferente. Por exemplo, a Diretora Executiva da Oxfam, Katia Maria, afirmou: “Se a população 1% mais rica do mundo pagasse uma taxa extra de 0,5% sobre a riqueza, nos próximos 10 anos, seria possível criar 117 milhões de empregos em educação, saúde e de cuidado para idosos”.  A solução deve vir debaixo, como assevera com frequência o Papa Francisco: da articulação de todos os movimentos sociais mundiais, daqueles que estão no Forum Social Mundial, fazendo coro com os humanistas e também economistas que reafirmam a tese básica da Economia de Francisco e Clara do atual Pontífice: uma economia fundada na solidariedade, na cooperação, na ecologia, na circulação, na reutilização; em fim uma economia humana para os humanos. Se não caminhamos nesta direção, vale a advertência de Sigmunt Bauman: “engrossaremos o cortejo dos que rumam na direção de sua própria sepultura”.

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Leonardo Boff é um escritor, teólogo e filósofo brasileiro, professor emérito de ética e filosofia da religião da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, recebedor do Prêmio Nobel Alternativo da Paz do Parlamento sueco [Right Livelihood Award]em 2001, membro da Iniciativa Internacional da Carta da Terra, e professor visitante em várias universidades estrangeiras como Basel, Heidelberg, Harvard, Lisboa e Salamanca. Expoente da Teologia da Libertação no Brasil, foi membro da Ordem dos Frades Menores, mais conhecidos como Franciscanos. É respeitado pela sua história de defesa pelas causas sociais e atualmente debate também questões ambientais. Colunista do Jornal do Brasil, escreveu os livros Francisco de Assis: Ternura e Vigor, Vozes 2000;  A Terra na palma da mão: uma nova visão do planeta e da humanidade,Vozes 2016;  Cuidar da Terra – proteger a vida: como escapar do fim do mundo, Record 2010;  A hospitalidade: Direito e dever de todos, Vozes 2005; Paixão de Cristo, Paixão do Mundo, Vozes 2001; Brasil: Concluir a refundação ou prolongar a dependência, Vozes 2018; “Destino e Desatino da Globalização” em: Do iceberg à Arca de Noé, Mar de Ideias, Rio 2010 pp. 41-63.

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