(Português) A Revolução Cubana Completa 60 Anos: Frei Betto
ORIGINAL LANGUAGES, 7 Jan 2019
Leonardo Boff – TRANSCEND Media Service
4 jan 2019 – Frei Betto é muito conhecido e não preciso apresentá-lo. Publico este seu texto por amor à verdade contra todos os preconceitos imperantes em nosso país, reforçados pelos muitos que elegeram Jair Bolsonaro e pelo governo que montou propondo desmontar o socialismo e a cultura marxista. Seguramente nunca leram nada sério sobre Cuba. Aqui há um relato sumário, poderia ser muito mais detalhado sobre a situação daquele país. Há um mérito de Frei Betto do qual participei de forma secundária. Quando ele foi convidado por Fidel para visitar Cuba, somente aceitou se pudesse visitar também a Igreja local. Fidel se deu conta de que o marxismo que seguiam era demasiadamente rígido. Aceitou que ele, eu e François Houtart (padre e sociólogo belga) tentássemos uma leitura mais humanística de Karl Marx. Aceitamos sob uma condição: ao mesmo tempo que trabalhávamos com quadros marxistas cubamos deveríamos também trabalhar com os bispos, teólogos e cristão cubanos. Durante vários anos -era tempo da ditadura militar no Brasil- com riscos pessoais cumprimos nossa missão. Houve uma mudança substancial na visão do marxismo desde ministros, altos funcionários e militantes e mudança também no campo da Igreja. Conseguimos, graças ao trabalho especial de Frei Betto e eu como mero auxiliar, um encontro entre a conferência de bispos cubanos e o governo cubano. Ocorreu uma reconciliação entre Igreja e Estado socialista. Foi facilitada porque Frei Betto convenceu a Fidel Castro de abandonar a exigência do ateismo nos membros do partido e do próprio Estado. O Estado cubano, como o nosso, é hoje um Estado laico.Cada militante socialista pode ser cristão ou de qualquer outra denominação. Mas a maior glória foi a reconciliação da Igreja cubana com o Estado socialista. Ela foi tão profunda que os Papas João Paulo II e Bento XVI visitaram Cuba e foram extraordinariamente bem recebidos pelo povo. Comentou o Papa João Paulo II ao perceber o espírito de colaboração e de solidariedade, ŧípico do socialismo e não de competição e concorrência, típico do capitalismo, chegar a dizer:”Parece que aqui em Cuba se realiza a doutrina social da Igreja”. Publico este texto de Frei Betto por ser um dos que melhor conhece Cuba e por seu relato enxuto e objetivo. Nada melhor que fatos e experiências concretas para superar preconceitos tão difundidos nos últimos tempos aqui no Brasil especialmente agora sob o governo de extrema direita de Jair Bolsonaro.
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1º de janeiro de 2019, 60 anos da Revolução Cubana. Quem diria? Para a soberba dos serviços de inteligência dos EUA a ousadia dos barbudos de Sierra Maestra, ao livrar Cuba da esfera de domínio de Tio Sam, era um “mau exemplo” a ser o quanto antes apagado das páginas da história. A CIA mobilizou e treinou milhares de mercenários e Kennedy mandou-os invadir Cuba (1961). Foram vergonhosamente derrotados por um povo em armas. E, de quebra, a hostilidade da Casa Branca levou Cuba a se alinhar à União Soviética. O tiro saiu pela culatra. Mexer com Cuba passou a significar aquecer a Guerra Fria, como o demonstrou a crise dos mísseis (1962).
Tio Sam não botou as barbas de molho. Transformou cubanos exilados em Miami em terroristas que derrubaram aviões, explodiram bombas, promoveram sabotagens. E investiu uma fortuna para alcançar o mais espetacular objetivo terrorista: eliminar Fidel. Foram mais de 600 atentados. Todos fracassados. Fidel faleceu na cama, cercado pela família, em 25 de novembro de 2016, pouco antes de a Revolução completar 58 anos. Havia sobrevivido a 10 ocupantes da Casa Branca que autorizaram operações terroristas contra Cuba: Eisenhower, Kennedy, Johnson, Nixon, Ford, Carter, Reagan, Bush pai, Clinton e Bush filho.
Fracassada a invasão da Baía dos Porcos, impôs-se o bloqueio a Cuba (1961). Medida criticada por três papas em visita a Havana: João Paulo II (1998), Bento XVI (2012) e Francisco (2015). Porém, a Casa Branca não escuta vozes sensatas. Prefere se isolar, ao lado de Israel, a cada ano em que a Assembleia da ONU vota o tema do bloqueio. Pela 27ª vez, em 2018, 189 países se manifestaram contra o bloqueio a Cuba.
Com a queda do Muro de Berlim e o desaparecimento da União Soviética (1989), os profetas da desgraça prenunciaram o fim do socialismo cubano. Não falharia a teoria do dominó… Equivocaram-se. Cuba resistiu, suportou o Período Especial (1990-1995) e se adaptou aos novos tempos de globalização.
Muitos se perguntam: por que os EUA não invadiram Cuba com tropas convencionais (já que os mercenários foram derrotados), como fez na Somália (1993), Granada (1983), Afeganistão (2001) e Iraque (2003), Líbia (2011), Síria (2017), Níger (2017), e Iêmen (2018)? A resposta é simples: uma potência bélica é capaz de ocupar um país e derrubar-lhe o governo. Mas não derrotar um povo. Esta lição os estadunidenses aprenderam amargamente no Vietnã, onde foram escorraçados por um povo camponês (1955-1975). Atacar Cuba significaria enfrentar uma guerra popular. Após a humilhação sofrida no Sudeste Asiático, a Casa Branca prefere não correr o risco.
Por que Cuba incomoda a tantos que associam, indevidamente, capitalismo e democracia? Porque Cuba convence as pessoas intelectualmente honestas, que não se deixam levar pela propaganda anticomunista fundada em preconceitos, e não em fatos, que, apesar de toda a campanha mundial contra a Revolução, na ilha ninguém morre de fome, anda descalço, é analfabeto com mais de 6 anos de idade, precisa ter dinheiro para ingressar na escola ou cuidar da saúde, seja uma gripe ou uma complexa cirurgia do coração ou do cérebro. No IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) da ONU, que abrange 189 países, Cuba ocupa melhor lugar (68º) que a maioria dos países da América Latina, incluído o Brasil (79º lugar).
Enquanto o capitalismo enfatiza, como valor, a competitividade, a Revolução incute no povo cubano a solidariedade. Graças a isso Cuba despachou tropas, nas décadas de 1960 e 1970, para ajudar nações africanas a se libertarem do colonialismo europeu e conquistarem sua independência. Raúl Castro foi o único chefe de Estado estrangeiro a ter direito a discursar nos funerais de Mandela, porque o governo da África do Sul reconheceu a importância da solidariedade cubana para o fim do apartheid.
Graças à solidariedade, professores e médicos cubanos se espalham por mais de 100 países, trabalhando nas áreas mais pobres e remotas. E graças aos princípios éticos da Revolução, em Cuba não se vê famílias debaixo de pontes, crianças de rua, mendigos estirados pelas calçadas, cracolândia, máfias de drogas. Os delatores da Odebrecht denunciaram todos os agentes públicos corrompidos nos países da América Latina nos quais a empresa atuou. Menos Cuba, onde ela construiu o porto de Mariel. Algum delator quis defender Cuba? Óbvio que não. Apenas nenhum cubano se deixou corromper.
O povo cubano chegou ao paraíso? Longe disso. Cuba é uma nação pobre, porém decente. Apesar do bloqueio e de todos os problemas que ele acarreta, seu povo é feliz. Por que então muitos saem de Cuba? Ora, muitos saem de qualquer país que enfrenta dificuldades. Saem da Espanha, da Grécia, da Turquia, do Brasil, da Venezuela e da Argentina. Mas quem sai? De Cuba, aqueles que, contaminados pela propaganda do consumismo capitalista, acreditam que o Eldorado fica acima do Rio Grande. Os mesmos que se regozijam com a emigração de uns poucos cubanos jamais se indagam por que nunca houve em Cuba uma manifestação popular contrária ao governo, como acaba de ocorrer na França (jalecos amarelos) e também recentemente na Tunísia (2011), Egito (2011), Turquia (2016), e anteriormente nos EUA (Seattle, 1999).
Haveria um Cuba soldados ou guardas em cada esquina? João Paulo II declarou que lhe chamou a atenção não ver veículos militares nas ruas ao visitar Havana, como observou em tantos outros países. A maior arma da resistência cubana é a consciência da população.
A Revolução Cubana comemora 60 anos! É muito pouco para um país triplamente ilhado: pela geografia, pelo bloqueio e por ser o único da história do Ocidente a adotar o socialismo. E quando os cubanos comemoram, não olham apenas para o passado de tantas gloriosas conquistas entre muitos desafios e dificuldades. Inspirados por Martí, Che, Fidel e Raúl, os cubanos sabem que a Revolução ainda é um projeto de futuro. Não só para a Cuba, mas para toda a humanidade, até que as diferenças (idioma, cultura, sexo, religião, cor da pele etc.) não sejam mais motivo de divergências, e a desigualdade social figure nos arquivos de pesquisas apenas como uma abominável referência histórica, como é hoje a escravatura.
Longa vida à Revolução Cubana!
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Frei Betto é escritor, assessor de movimentos sociais e autor de Paraíso perdido – viagens ao mundo socialista (Rocco) e do romance policial Hotel Brasil (Rocco) entre outros livros. http://www.freibetto.org/>.
Leonardo Boff é um escritor, teólogo e filósofo brasileiro, professor emérito de ética e filosofia da religião da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, recebedor do Prêmio Nobel Alternativo da Paz do Parlamento sueco [Right Livelihood Award]em 2001, membro da Iniciativa Internacional da Carta da Terra, e professor visitante em várias universidades estrangeiras como Basel, Heidelberg, Harvard, Lisboa e Salamanca. Expoente da Teologia da Libertação no Brasil, foi membro da Ordem dos Frades Menores, mais conhecidos como Franciscanos. É respeitado pela sua história de defesa pelas causas sociais e atualmente debate também questões ambientais. Colunista do Jornal do Brasil, escreveu os livros Francisco de Assis: Ternura e Vigor, Vozes 2000; A Terra na palma da mão: uma nova visão do planeta e da humanidade,Vozes 2016; Cuidar da Terra – proteger a vida: como escapar do fim do mundo, Record 2010; A hospitalidade: Direito e dever de todos, Vozes 2005; Paixão de Cristo, paixão do mundo, Vozes 2001; Brasil: Concluir a refundação ou prolongar a dependência, Vozes 2018. Boff escreveu “Destino e Desatino da Globalização” em: Do iceberg à Arca de Noé, Mar de Ideias, Rio 2010 pp. 41-63.
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