(Portuguese) O Pi e coisa e Tau (uma cronica)
ORIGINAL LANGUAGES, 4 Jul 2011
“Assim era Paris antigamente quando éramos muito jovens e muito felizes.” Se você nunca foi Ernest Hemingway na vida e não chegou sequer a escrever Uma Festa Móvel, não fique chateado. Há 75% de probabilidades de que você passou os olhos ao menos uma vez no fabuloso Almanaque do Biotônico Fontoura.
De certa maneira, ele foi nossa, e continua a ser, nos sebos de boa categoria, Festa Móvel. O almanaque teve origem em 1920, com destaque para a atuação à sua frente do infatigável mulato racista Monteiro Lobato, que colaborava com muitas coisas, dos horóscopos, fases da lua, dias adequados para a pesca, passatempos vários, contos mínimos e lições de outra de suas criações imortais, o Jeca Tatu.
Li muitos, guardei um ou dois, que estão cá comigo em Londres, onde, como um Noé das publicações a que chamam de menores e desimportantes (Ele e Ela, Capricho, Querida, Meia-Noite etc) procurei trazer, já que sabia que vinha de vez, não digo um casal mas ao menos um exemplar de cada uma. Não sei para que servem. Mas sabê-las dentro de uma velha arca de madeira ao lado de gibis e outras velharias me reconfortam e tornam mais leve o tempo que me resta nesta terra. Invertendo a batida letra do samba, eu era feliz e tinha plena consciência disso.
O Almanaque do Biotônico Fontoura, entre os anos 30 e 70, distribuído gratuitamente, chegou a tirar 2 milhões e meio de exemplares. Em 1982 (sim, ele resistiu, talvez graças ao efeitos benéficos do Biotônico), teve uma tiragem de 10 milhões de exemplares. Não se sabe porque não foi eleito ou sequer homenageado pela Academia Brasileira de Letras.
Abri a arca e fui lá conferir algo que me ocupava a cabeça, aliás cada vez mais desocupada: lembrava-me vagamente de um cartum em que uma menina, no quadro-negro, acabara de escrever com o giz Pi (a 16ª. do alfabeto grego, aquela que parece dois bêbados se apoiando um no outro debaixo de um toldo tentando fugir da chuva) e, em seguida, sua equivalência, ou seja, igual a = 3,1518.
Debaixo a legenda puro AlmanaqueBiotônico Fontoura: “A menina em Pi… errou!” Ah, Hemingway, você não sabe o que era este Brasil a que você preteriu por Cuba. Aquela menina, aquelas reticências, o jogo de palavras com uma fantasia romântica que acabou juntamente com Colombinas, Arlequins, confete, serpentina e lança-perfume.
Meu assunto, meu tema, é o que passou. Tudo que tenha passado. Em qualquer lugar, em qualquer língua. Mas, principalmente, que digam que tenham chegado ao passado (para ser franco, não acredito que as coisas passem; há apenas festas imóveis, com todo mundo parado posando para uma câmera invisível). Daí meu objetivo em catar o Almanaque. Eu queria ter certeza. De quê? Por quê?
Porque há por aqui, lá no norte, em Leeds, uma chusma de matemáticos que resolveu que Pi, ou para dar seu nome (incompleto), 3,14159265358979323846264338327950288441971693993993751058, seguindo-se mais 52 casas decimais, se quiserem, para cálculos ainda mais precisos, não é nada disso que há séculos se calculava.
Isso para os tolos que insistem em designar a circunferência do círculo. Claro que, hoje em dia, há computadores que calculam até bilhões o valor de Pi, ou dos dois caneados gregos fugindo da chuva. Não vos reconforta saber disso?
Acontece que os matemáticos decidiram que Pi não tem nada a ver, está completamente por fora. O negócio agora é Tau (é pedra, é o fim do caminho), que é a 19ª letra do alfabeto grego e lembra um só camaradinha grego de porre debaixo do toldo. O líder dos palermas de Leeds, Kevin “de Tau” Houston quer reescrever todos os tomos matemáticos, como se fosse, sozinho, uma reforma gráfica à brasileira, e pior ainda, por ser burro, sem “levar nenhum nessa jogada”.
A não ser a glória de que quarta-feira, dia 28 de junho foi o Dia Tau. Porque Tau, escrito à maneira americana (why?) é 6,28 ( junho, 28, confere?) e, sim, o senhor acertou, duas vezes 3,14. Vai daí que a proporção da circunferência do círculo a seu diâmetro vai, se depender de Kevin e seus asseclas, dobrar, o que, para eles, tornará tudo mais simples.
Portanto, a velha fórmula para se encontrar a circunferência do círculo danou-se. Não é mais 2 vezes Pi vezes o raio da bruta. Passará a ser, se adotarem o tal do Tau, Tau vezes raio, ou seja, 6,28 x 4.
E a menina do quadro-negro do Almanaque Biotônico Fontoura, como se restituindo a lógica ao Universo, ou mais um verso a um poema de Fernando Pessoa, continuará, ao pé de um velho quadro-negro, errando em Pi, bendita seja.
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