(Português) Os Crimes de Guerra em Gaza; a Demência da Razão e a Falta de Coração

ORIGINAL LANGUAGES, 20 Nov 2023

Leonardo Boff – TRANSCEND Media Service

16 nov 2023 – Em pleno século XXI estamos assistindo àquilo que foi chamada “a era da guera eterna” levada a efeito particularmente pelos Estado Unidos da América em todas as partes onde seu domínio sobre o mundo é colocado em xeque. Vivem a ideologia do “Destino Manifesto” de serem “o novo povo de Deus”, para levarem ao mundo a democracia (burguesa), os direitos humanos (individuais, esquecendo os sociais e ecológicos) e o valor supremo do indivíduo (base da acumulação capitalista). Nessa crença sustentam a ferro e fogo a unipolaridade consoante o motto:”um só mundo-um só império”, o deles. Farão guerra para impedir a multipolaridade.

Enquanto estamos escrevendo, está acontecendo um massacre cruel de todo um povo, o palestino da Faixa de Gaza, denunciado como um verdadeiro genocídio, perpetrado  sob o sionista Benjamin Netanyhau, com o incondicional apoio dos USA. Está operando a razão ensandecida  sem nenhum coração e sem sensibilidade humana, exercendo sua lógica fria e sem qualquer escrúpulos  e limites éticos.

Sabemos que a  razão sensível e cordial é mais ancestral que a razão pensante. A primeira surgiu há 125 milhões de anos quando, no processo da evolução, irromperam os mamíferos com o assim chamado cérebro límbico, sede do mundo dos afetos e da cordialidade. A fêmea ao dar à luz se enche de cuidados e de sensibilidade para com a sua cria. Nós seres humanos esquecemos que somos mamíferos racionais, portanto, portadores de sensibilidade, de cuidado, de afeto e de amor. Tal fato pertence ao DNA de nossa natureza. Somente a partir de 7-8 milhões de anos atrás,  formou-se o cérebro neocortical, base do pensamento e da racionalidad conceptual. Apenas nos últimos 100 mil anos emergiu o homo sapiens sapiens do qual somos herdeiros.

Note-se que o mais ancestral não é o  logos, mas   o pathos, a razão emocial, cordial e sensível. Somos seres racionais mas assentado sobre o universo dos afetos,da sensibildade, numa palavra: a mente lança raízes no coração. Neste vivem os grandes valores que nos orientam, como o amor, a empatia, a amizade e a compaixão. Como afirmava um representante da etnia Pueblo do Novo México (USA)  ao grande psicalista C.G.Jung que  os visitou: “vocês são loucos porque presumem que pensam com a cabeça. Nós no entanto pensamos com o coração”. Esta resposta fez o grande psicanalista mudar sua percepção da psiqué humana que ele tanto estudava. Jung entendeu o porquê os europeus conquistaram o mundo pela violência e pelas guerras: porque usaram só a cabeça sem o coração. Haviam perdido a dimensão da sensibilidade e da compaixão. Por isso cometeram o maior hocausto da história. Em menos de 50 anos, consoante a pesquisa mais recente de Marcelo Grondin e Moema Viezzer (Abya Yala,genocídio dos povos originários das Américas, 2021) elimiram cerca de 61 milhões de habitanes das Américas a (os USA a  partir de 1607). Foi o nosso esquecido Holocausto, o maior da história.

O drama do homem atual é ter perdido a capacidade de sentir o outro como seu semelhante,  de viver um sentimento de pertença à mesma humanidade, coisa que as religiões e as éticas humanitárias sempre ensinaram. O que se opõe à religião não é o ateísmo ou a negação de Deus. O que se opõe, é a incapacidade de ligar-se e religar-se com os diferentes e com a natureza com um laço de afeto e de reconhecimento. Hoje grande número de pessoas estão desenraizadas, desconectadas dos seus semelhantes humanos, da natureza e da Mãe Terra. Na linguagem de Jung recalcaram a dimensão da anima que responde pela expressão da sensibilidade, do cuidado, da relacionalidade com os outros  e com a espiritualidade.

Se não articularmos razão e sensibilidade, mente e coração, dificlmente nos movemos para defender quem está sendo sacrificado e martirizado como as mais de 10500 crianças assassindas e  mais de 1500 esob os escombros dos ataques aéreos e terrestres por parte do exército do insensível e sem coração  Netanyhau.

A mera razão analítico-instrumental não acompanhada da inteligência emocional se torna irracional e insana a ponto de praticar o Holocausto de 6 milhões de judeus pelos nazistas e os 61 milhões de representantes de nossos povos originários.

Uma ciência com consciência, cuidadosa, sensível a tudo o que existe e vive que une mente e coração é pre-condição para evitarmos massacres e o genocídio como estamos assistindo na Faixa de Gaza. Além do mais, garantiremos que não vamos nos devorar mutuamente e salvaguardaremos a vitalidade do planeta Terra. Caso contrário, ele pode continuar, girando ao redor do sol, mas sem nós.

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Leonardo Boff é um escritor, teólogo e filósofo brasileiro, professor emérito de ética e filosofia da religião da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, recebedor do Prêmio Nobel Alternativo da Paz do Parlamento sueco [Right Livelihood Award]em 2001, membro da Iniciativa Internacional da Carta da Terra, e professor visitante em várias universidades estrangeiras como Basel, Heidelberg, Harvard, Lisboa e Salamanca. Expoente da Teologia da Libertação no Brasil, foi membro da Ordem dos Frades Menores, mais conhecidos como Franciscanos. É respeitado pela sua história de defesa pelas causas sociais e atualmente debate também questões ambientais. Colunista do Jornal do Brasil, escreveu os livros Francisco de Assis: Ternura e Vigor, Vozes 2000;  A Terra na palma da mão: uma nova visão do planeta e da humanidade,Vozes 2016; Cuidar da Terra – proteger a vida: como escapar do fim do mundo, Record 2010; A hospitalidade: Direito e dever de todos, Vozes 2005; Paixão de Cristo, Paixão do Mundo, Vozes 2001; Brasil: Concluir a refundação ou prolongar a dependência, Vozes 2018; “Destino e Desatino da Globalização” em: Do iceberg à Arca de Noé, Mar de Ideias, Rio 2010 pp. 41-63.

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