(Português) Direitos Animais, uma exclusividade humana?

ORIGINAL LANGUAGES, 16 Mar 2015

Sônia T. Felipe - ANDA Agência de Notícias de Direitos Animais

Tirar a vida dos animais é considerado um direito humano universal. Dez vezes a população de humanos é o número de animais mortos por ano ao redor do mundo para alimentar pouco mais de cinco bilhões de humanos que consomem, através de seus alimentos animalizados, 80% de toda proteína vegetal nobre cultivada ao redor do planeta e dada de comer aos animais que são mortos para virar bife, linguiça, presunto, salsicha e patê, ou que têm sua vida abreviada pela escravização de seus corpos na produção de ovos e de laticínios.

Manter uma dieta que representa a devastação de 80% de toda proteína cultivada no mundo, e das águas boas dadas de beber a esses 70 bilhões de animais, mantidos em confinamento, semiconfinamento ou mesmo soltos nos pastos, não parece evocar nos humanos super proteinizados qualquer questionamento de ordem moral. Seguir a dieta tradicional é um costume. E, costumes, costumam-se preservar sem questionar. É fácil confundir o que é mera repetição de práticas, com valores morais, que, supostamente, não devem abolidos. Entretanto, é sabido, a história nos ensina, que a maior parte das tradições são apenas traições aos direitos que não deveriam ter sido surrupiados dos inocentes.

Matar um animal aos 40 dias de vida, quando, naturalmente, ele poderia seguir em vida por até 6.000 ou 7.000 dias (galinhas e galos), não parece assombrar quem se delicia com um bocado de frango assado ou ensopado. O tempo de vida do frango abatido não alcançou sequer 0,6% do que sua espécie lhe destinaria, caso não houvesse nascido sob o regime de propriedade e escravidão ao qual está atrelado sem perdão ou chance de vida.

Consideremos a média de 78 anos de vida humana, portanto, um viver que pode chegar a uns 28 mil dias. Caso fosse abatido para qualquer propósito alheio no tempo proporcional ao do abate de frangos, um bebê humano teria vivido seis meses, incompletos, até seu abate.

Um bezerro destinado à morte pela indústria de carnes vive por volta de um ano e meio a dois anos, de 550 a 730 dias, quando é empurrado, em estado de terror pânico, pelo corredor da morte, até chegar à câmara de sangria.

Mas um bovino, naturalmente, nasceu para viver uns 25 anos. Sua morte aos 550 dias de vida está mais do que longe dos 9.000 dias nos quais sua natureza poderia se desenvolver plenamente e seguir todos os processos para os quais a espécie bovina vem à vida. Comer carnes bovinas é alimentar-se dos restos de um animal que mal chegou a viver 6% do total da vida que lhe seria destinada. Isso equivale a uns 4,5 anos de vida de um humano.

A vida de um suíno pode passar de 4.000 dias. Mas, nascido e forçado a viver em prisão perpétua, sem direito de gozar os prazeres de sua espécie, um porco é morto aos 140 dias de vida, o que mal chega a 3,5% do tempo que sua natureza traçou para gozar plenamente “a dor e a delícia de ser (o suíno) que é”.

O presunto que compõe o sanduíche tão inocente, a “costelinha”, o “lombinho” (as pessoas usam o diminutivo quando se referem ao que comem, como se isso aliviasse o peso da morte alheia carreada para seus estômagos), são partes de um bebê suíno, morto numa idade que equivale a de um bebê humano com 2,7 anos de vida. A mais “tenra infância”.

Enfim, comemos os bebês das outras fêmeas. E estamos convencidas de que fazer isso é um “direito humano fundamental”. Não é. Para ser um direito humano fundamental precisaria ser algo que não prejudicasse nenhum outro ser senciente. E, para não deixar dúvida, precisaria não tirar de qualquer outro ser que se iguala a nós em todos os aspectos e peculiaridades que nos levaram a decretar para todos os humanos direitos fundamentais, seu direito também fundamental. Sem assegurar bens fundamentais universalmente dados, como é o caso da vida, não faz sentido declarar quaisquer outros direitos.

A verdade é que ter direito à vida humana não inclui o dever de se alimentar de pedaços de corpos de outros animais ou de secreções tiradas à força dos corpos das fêmeas de outras espécies. Se tal não é um direito, tampouco é um dever humano.

Bovinos podem viver até 25 anos em liberdade, seguindo seu éthos natural. No sistema de extração de leite, por ele ser, inerentemente, escravizador, as vacas não passam, a não ser exauridas, dos seis anos de vida. Quando seu metabolismo se esgota, elas são enviadas para o matadouro (viram carne de hambúrguer) e sofrem o mesmo tipo de morte que seus filhos sofreram aos 18 ou 20 meses de vida. As galinhas podem viver livres uns 16 anos (galos, 20), mas, no confinamento, as escravizadas pela coleta de ovos não passam dos quatro anos de vida, se é que isso ao qual foram forçadas pode se chamar vida.

Se, para qualquer desses animais não foram reconhecidos direitos fundamentais, em contrapartida, para nenhum humano foi declarado o dever de seguir o padrão da dieta estabelecida nos últimos 50 anos ao redor do mundo.

Então, se não é um dever alimentar-se de carnes, laticínios e ovos, os humanos o fazem por condicionamento mental e moral, algo que pensam ser uma “necessidade”, mas não é.

Se não é um “direito humano” alimentar-se de carnes, laticínios e ovos, então não há humano que possa exigir compor o seu prato com os restos mortais dos animais ou secreções tiradas de seus corpos através do manejo. Se alguém o faz, não é por direito, muito menos por ética, é por mero condicionamento. O que pode ser condicionado pode ser descondicionado, ainda que a baba escorra ao soar o sino, ainda que a saudade bata, ainda que o desejo se imponha. Toda essa pressão nada mais é do que condicionamento. Não é uma necessidade humana comer carnes, dado que os oito aminoácidos essenciais necessários à sintetização de outros 12 que formam a cadeia proteica completa podem ser obtidos de alimentos vegetais.

Se nos igualamos aos animais em sensibilidade e consciência, ainda que cada espécie as tenha a seu próprio modo, algo que a Declaração de Cambridge sobre a Senciência Humana e Animal reconheceu já em 2012, estamos, injustificadamente, adiando a decisão de parar de atormentar e de matar nossos iguais para compor nosso prato.

Mas a abolição virá. Os animais não são “nossos”. Tampouco são meros “objetos” semoventes. Ainda que nossas mãos e ardis possam se apropriar deles, tal poder não nos autoriza a fazer. Somos todos, igualmente, animais. O que não admitimos que nos seja feito por quem tem a força, a astúcia e o poder de fazer, por exemplo, abreviar ou tirar nossa vida, não podemos mais justificar moralmente fazer aos outros de outras espécies.

Afinal, os direitos humanos fundamentais nada mais são do que nossos direitos animais: à vida, à liberdade de ir e vir, de expressar a própria sexualidade, de não ser privado de abrigo, grupo social e demais cuidados específicos. Está na hora de reconhecer aos outros animais os direitos fundamentais dos quais, injusta e violentamente, os excluímos há milênios.

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