(Português) Doença respiratória atinge cerca de 500 mil trabalhadores da mineração no Brasil

ORIGINAL LANGUAGES, 11 Jul 2016

Márcio Zonta – Brasil de Fato

Nova Lima enterra cotidianamente vítimas de silicose; falta de indenização e ônus ao Estado são “heranças” da mineração.

Trabalhadores na mineração / Marcelo Cruz/ Brasil de Fato

Trabalhadores na mineração / Marcelo Cruz/ Brasil de Fato

6 julho 2016 – Acamado e com uma tosse constante, o ex-minerador Raimundo Brito pede com dificuldades um copo de água à filha mais nova, Raquel. Os dias do senhor de 68 anos têm se resumido à fadiga e falta de ar recorrente, tendo a cama como amparo e a morte como certeza.

O aparelho de oxigênio é a mais presente companhia no quarto. Aos 36 anos, Raquel praticamente vive para ajudar o pai. “Dou banho, comida na boca, carrego ele para tomar sol, troco a fralda e levo para o hospital quando ele tem crises piores”, relata a filha.

“[São os] anos de trabalho na mineração”, balbucia Brito.

A situação dele é a mesma de um grande número de ex-trabalhadores da mineração das cidades de Nova Lima, Raposos e Sabará, na região metropolitana de Belo Horizonte, em Minas Gerais.

O número de trabalhadores da mineração no Brasil que têm silicose (doença respiratória que causa fibrose pulmonar pela inalação de partículas contendo dióxido de silício e poeiras minerais) chega a 500 mil nas empresas de extração mineral e garimpo, informou a diretora Marta Freitas, da Secretaria de Saúde de Minas Gerais, a partir dos dados da Frente Sindical Mineral e Fundação Jorge Duprat e Figueiredo (Fundacentro).

O complexo minerador conhecido como Morro Velho e atual Anglo Gold Ashanti, com sede em Nova Lima, esteve, no período colonial e no século 20, entre as minas que mais produziram ouro no mundo.

Dominada pelo capital transnacional, a empresa só passou a distribuir Equipamento de Proteção Individual (EPI) a partir dos anos 1990. Como consequência disso, trabalhadores já idosos agonizam doentes.

Em 2009, relatório da Anglo Gold Ashanti indicava 3.077 mil ex-trabalhadores diagnosticados com a doença. Mas, para o sociólogo Tádzio Peters Coelho, que pesquisa a mortalidade desses ex-mineradores, essa conta não fecha.

“Com certeza é bem maior esse número de doentes, porque tinha muita gente lutando justamente para ser diagnosticada. Muita gente já morreu em decorrência da silicose e sem o diagnóstico da doença. Fora os que morreram antes ao longo dos séculos”, destacou o acadêmico.

Suborno

Tádzio explica que muitos trabalhadores se dirigiam aos médicos da Justiça do Trabalho e não recebiam o diagnóstico correto. “Criou-se uma polêmica na região, porque esses trabalhadores faleciam sem ter a doença diagnosticada e sem uma causa de morte convincente”, conta.

Segundo o pesquisador, há suspeita de suborno pelas mineradoras. “Os médicos que faziam a avaliação [eram pagos] para esconder o alto índice de silicose entre os trabalhadores da Anglo Gold Ashanti”, apontou.

A médica Ana Paula Scalia explica que a silicose é facilmente diagnosticada com uma radiografia. “Ou, quando não se esgota o diagnóstico, é possível confirmá-la com uma tomografia de alta resolução no tórax”, esclareceu.

Com a deturpação do diagnóstico, trabalhadores entraram, nos anos 1990, com pedidos de indenizações na Justiça, recebendo valores de R$ 10 mil a R$ 15 mil, que não custeavam nem os gastos com a doença nem os custos de subsistência familiar diante da impossibilidade de o doente trabalhar.

“Sem eira nem beira” 

Depois de quase 20 anos da primeira leva de trabalhadores que recebeu algum tipo de compensação, em 2010, 25 ex-mineradores com silicose receberam benefícios.

Desses, oito já haviam morrido quando a sentença foi proferida. Um terço deles perdeu, portanto, o direito à pensão vitalícia determinada pela Justiça enquanto vivessem e ao pagamento dos atrasados, cujo total já atingia R$ 1,2 milhão.

Brito, mesmo com todas as dificuldades provocadas pela doença, é um dos que ainda não recebeu indenização. Mensalmente, ele tem direito a um pecúlio do Estado no valor de R$ 280 por conta da silicose.

A filha Raquel diz que o valor não cobre nem as despesas com medicamento e com transporte para idas constantes ao hospital.

“Só com o espessante, produto para deixar a água mais grossa, pois ele não pode tomar líquido que engasga, dá um gasto de R$ 360 por mês, fora os gastos quando temos que sair com ele de táxi”, reclama.

Edson Morato, de 66 anos, que entrou na mineradora Morro Velho em 1987, está com a mesma doença de Brito e vive em uma situação de miséria por não receber qualquer compensação pelos anos de trabalho na mina.

Com 60% do pulmão comprometido pela doença, ele teve mais de oito pneumonias nos últimos anos. “Mesmo com o diagnóstico de silicose e com muita dificuldade para trabalhar, eu não consegui me aposentar por invalidez. Também não consegui uma indenização na Justiça”, lamenta.

Massa enferma 

Minas Gerais é o estado brasileiro com maior número de silicoses diagnosticadas. “Antes um trabalhador adquiria um quadro grave de silicose com 15 anos de trabalho. Recentemente, encontramos trabalhadores de empresas de mineração e garimpo com quadro avançado de silicose com apenas três anos de trabalho. Ou seja, teremos mais silicose nesse período recente de 70 anos de retomada da mineração no Brasil do que nos 180 anos do primeiro ciclo de exploração no período colonial”, revela Marta Freitas, diretora da Secretaria de Saúde de Minas Gerais.

Segundo o médico auditor do Ministério Público do Trabalho (MPT), Mario Parreira, um caso de silicose custa muito aos cofres públicos. “A Previdência Social é onerada em R$ 293 mil por cada beneficiário, considerando uma vida útil minimizada depois de adquirir a doença após a aposentadoria do trabalhador”, explica.

Diante do cenário de epidemia, Raquel demonstra rancor com a história da mineração em Nova Lima. “É um monte de gente acamada numa cidade que tinha tanto ouro embaixo de uma terra que hoje só sobrou para enterrar, no mesmo lugar dos ouros, esse monte de ex-minerador”, desabafa.

Posições

A reportagem entrou em contato com a Anglo Gold Ashanti, mas não obteve retorno.

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Edição: Camila Rodrigues da Silva

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